Director do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do IPOLFG

Director do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do IPOLFG

Presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (2000-2002)

Presidente do Grupo de Estudos de Cancro de Cabeça e Pescoço (2010-2014)

Tel 217229800 - Ext-1863


Consultório:
Av. António Augusto Aguiar 42 - r/c dt.
Lisboa
Tel. 213578579/213 542 853
Mail: jorgerosasantos@gmail.com








segunda-feira, 1 de junho de 2009

TIROIDEIA E PARATIROIDEIA

ANATOMIA

A tiroideia é uma glândula de secreção interna, localizada na região inferior e central do pescoço. Apresenta um peso médio de 20 g e dispõe-se de uma forma convexa, envolvendo a parte inferior da laringe e da traqueia cervical, às quais, está intimamente fixada, por aderências fibrosas. É constituída por dois lobos unidos imediatamente abaixo da cartilagem cricoideia por um istmo. Lateralmente, a parte superior dos dois lobos atinge a parte média da cartilagem tiroideia.
A glândula está envolvida por uma pseudocápsula constituída por um desdobramento da aponevrose cervical profunda, o que lhe confere um aspecto lobular. Anteriormente, a tiroideia está em relação com os músculos pré-tiroideus, o esternotiroideu e o esterno-hioideu (Fig. 1).
Lateralmente, a tiroideia situa-se para dentro do feixe vasculo-nervoso do pescoço, constituído pela veia jugular interna, a artéria carótida primitiva e o nervo pneumogástrico. Posteriormente, a tiroideia está em relação com os primeiros anéis traqueais, a cartilagem cricoideia e a cartilagem tiroideia. Localizadas na parte posterior da glândula, encontram-se as glândulas paratiroideias e o nervo recorrente laríngeo inferior, com um trajecto ascendente ao longo da goteira traqueo-esofágica, relacionando-se anatomicamente com a artéria tiroideia inferior e penetrando na laringe ao nível da membrana cricotiroideia. Em cerca de 80% dos casos há um prolongamento superior da glândula a partir do istmo, o chamado «lobo piramidal», que corresponde a vestígios da parte inferior do canal tireoglosso.
A irrigação arterial da tiroideia faz-se a partir de dois pares de artérias principais, a tiroideia superior e inferior de cada um dos lados e por vezes também a partir de uma quinta artéria, a artéria tiroideia imã. A artéria tiroideia superior é o primeiro ramo da carótida externa; ao nível do espaço tiro-hioideu; a partir da sua emergência, apresenta um trajecto para baixo e para dentro, atingindo a glândula ao nível do seu pólo superior, onde se divide em vários ramos. No seu trajecto apresenta relações estreitas com o ramo externo o nervo laríngeo superior, podendo este ser lesado durante a cirurgia da tiroideia no momento da laqueação do pedículo superior; a consequência é a paralisia do cricotiroideu com alteração do timbre de voz. A artéria tiroideia inferior é ramo do tronco tirocervical, e este por sua vez, ramo da subclávia; tem um trajecto inicialmente ascendente, de cerca de três centímetros, acompanhando a face posterior do feixe vasculo-nervoso do pescoço. Ao nível da parte média do lobo da tiroideia, inflecte para dentro passando por detrás da carótida primitiva e atingindo a glândula na sua parte média. No seu trajecto final, o tronco principal desta artéria ou os seus ramos apresentam relações anatómicas com o nervo recorrente laríngeo inferior, responsável pela motilidade de todos os músculos intrínsecos da laringe; durante a tiroidectomia, a lesão deste nervo é uma das complicações graves, resultando uma paralisia da corda vocal homolateral. Se a lesão do nervo recorrente é bilateral, as duas cordas vocais ficam paralisadas; se esta paralisia se dá em posição paramediana, a fenda glótica fica estreitada, iniciando-se um quadro de dispneia laríngea com necessidade de recurso a uma traqueostomia. A artéria tiroideia imã é ramo do tronco inominado ou do arco aórtico, sendo a sua presença inconstante. Apresenta um trajecto ascendente em relação com a fase anterior da traqueia, entrando na glândula ao nível da parte inferior do istmo. (Fig 2 ).
A drenagem venosa da tiroideia inicia-se num plexo venoso subcapsular, convergindo para três pares de veias principais: a veia tiroideia superior emergindo ao nível do pólo superior e acompanhando no seu trajecto a artéria do mesmo nome, a veia tiroideia média emergindo da parte média de cada um dos lobos, mas num plano superficial em relação à artéria tiroideia inferior, e a veia tiroideia inferior drenando a partir do pólo inferior. As duas primeiras drenam para a veia jugular interna e a terceira drena directamente para a veia inominada-
A inervação da tiroideia faz-se a partir de ramos do simpático e do parassimpático. A inervação simpática origina-se no gânglio cervical e atinge a glândula acompanhando os vasos. As fibras parassimpáticas originam-se no nervo pneumogástrico e atingem a glândula através dos nervos laríngeos (Fig. 3 ).
Microscopicamente, a unidade funcional da tiroideia são os folículos, de formato esférico, com uma camada externa de células foliculares de aspecto cubóide e um centro constituído por colóide.
Sob a influência da TSH (hormona tiro-estimulante), produzida pelo lobo anterior da hipófise, as células foliculares adquirem um aspecto colunar, diminuindo o lúmen dos folículos e o seu conteúdo em colóide. As outras células presentes na tiroideia são as células C ou parafoliculares, secretoras de calcitonina, com origem neuro-ectodérmica, fazendo parte do sistema APUD (amine containning, percursor uptake, decarboxilase) descrito por Pearse.

ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO

Embriologicamente, a tiroideia origina-se a partir do divertículo faríngeo com início na parte média da base da língua, o foramen cecum. Este divertículo desenvolve-se durante a vida embrionária, aumentando de tamanho e migrando no sentido caudal, sempre num trajecto mediano, até à base do pescoço. A parte distal do divertículo faríngeo sofre na sua parte distal uma bilobulação, originando os dois lobos da tiroideia. Ao divertículo, desde a sua origem na base da língua até à tiroideia, dá-se o nome de «canal tireoglosso». Ocasionalmente, o epitélio pode persistir ao longo do canal tireoglosso, não se dando a sua oclusão, dando origem a quistos, fístulas ou tecido tiroideu mediano aberrante onde se pode instalar qualquer das patologias habituais da tiroideia.

Quisto do canal tireoglosso

A não oclusão do canal tireoglosso dá origem aos quistos. Estes quistos podem aparecer a qualquer nível desde a base da língua até à fúrcula esternal; no entanto, a sua localização mais frequente ocorre entre o osso hióide e a chanfradura tiroideia. São sempre medianos, manifestando-se habitualmente nos doentes jovens. O quisto pode infectar, aumentando subitamente de tamanho, acompanhando-se de sinais inflamatórios, com flutuação; a sua rotura espontânea ocorre nestes casos, podendo no entanto ser necessária a sua drenagem cirúrgica, estabelecendo-se nestes casos uma fístula do canal tireoglosso.
O tratamento na fase aguda consiste na administração de antibióticos e anti-inflamatórios. O tratamento definitivo é sempre cirúrgico, com excisão do quisto ou da fístula, e de todo o canal tireoglosso até ao foramen cecum. Isto implica sempre a ressecção da parte média do corpo do osso hióide (operação de Sistrunk).



Bócio lingual

A não-migração do divertículo faríngeo, a partir do foramen cecum, no sentido distal, é a causa primária do b6cio lingual. A sua prevalência é de 1 em 3000 casos de doença da tiroideia. O bócio lingual está associado à ausência da tiroideia cervical em 70% dos casos.
Clinicamente, manifesta-se pela presença de um tumor arredondado na parte média da base da língua, de consistência elástica e habitualmente bem delimitado, sem infiltração do resto da língua e indolor. O crescimento do bócio pode provocar dispneia, disfagia ou disfonia. O diagnóstico é feito recorrendo à gamagrafia da tiroideia, observando-se uma fixação electiva na base da língua, estando ausente a tiroideia na sua localização normal em 70% dos casos.
o tratamento dos casos assintomáticos é médico, com administração de hormona tiroideia para supressão da TSH e redução ou estabilização do bócio. As indicações para a cirurgia resultam das suas complicações, dispneia, disfagia e hemorragia, da presença de um hipertiroidismo ou ainda da suspeita de um carcinoma. A via de abordagem poderá ser oral no caso de bócios linguais pequenos, com extrusão da língua e ressecção do bócio. Mais frequentemente, o volume do bócio impossibilita a utilização exclusiva desta via, sendo abordado por via supra-hioideia.
Alguns autores recomendam o autotransplante de tecido tiroideu, para evitar o hipotiroidismo.
FISIOLOGIA
No estudo da fisiologia da tiroideia, e baseados na morfogénese das duas principais linhas celulares, as células foliculares e as parafoliculares ou C, consideraremos duas funções endócrinas distintas. A principal, dependente das células foliculares, consiste na síntese da tri-iodotironina (T3) e da tiroxina (T4), hormonas de importância preponderante no metabolismo global do organismo. A outra, dependente das células parafoliculares ou C de origem neuro-ectodérmica, consiste na produção de calcitonina, um péptido com uma cadeia de 34 aminoácidos que nos animais desempenha um papel importante na prevenção da hipercalcémia e na regulação da reabsorção osteoclástica do osso; na raça humana o papel fisiológico da calcitonina continua a não estar esclarecido, pelo que não abordaremos a sua fisiologia.


Síntese da hormona tiroideia (T3 e T4)

A característica básica das hormonas tiroideias T3 e T4 é a de necessitarem de iodo, sob a forma de iodetos, para a sua actividade biológica.
A biossíntese da T3 e da T4 compreende quatro fases: (1) o transporte activo do iodeto inorgânico para as células foliculares, (2) a sua oxidação por acção de uma peroxidase, (3) a iodetação dos radicais tirosínicos ligados à tireoglobulina, com formação da mono-iodotirosina (MIT) e da diodotirosina (DIT), (4) e a ligação destas tirosinas inactivas, para formarem as tironinas metabolicamente activas; a tri-iodotironina (T3) e a tetra- iodotironina (T4). Tanto as tirosinas como as tironinas ficam armazenadas na tiroideia ligadas à tireoglobulina, fazendo esta parte integrante do colóide armazenado. Da hidrólise da tireoglobulina por acção das proteases e das peptidases, resulta a libertação no sangue de T3, T4, de MIT e DIT. Todas estas fases são comandadas por mecanismos de feed back pela TSH (hormona tireo-estimulante), com origem no lobo anterior da hipófise, por sua vez comandada pela TRH (Thyrotropin releasing hormone) libertada no hipotálamo. As tiocarbamidas utilizadas como medicamentos anti-tiroideus inibem a iodetação da tirosina e, consequentemente, a síntese da hormona tiroideia.
A tri-iodotironina (T3) e a tetraiodotironina (T4) ligam-se às proteínas do plasma, TBG (thyroxine binding globulin), TBPA (thyroxine binding preal-bumin) e TBA (thyroxine binding albumine). As fracções livres de T3 e T4 correspondem às fracções activas não ligadas a estas proteínas; para a T3, esta fracção corresponde a 0,3% da T3 total e para a T4 a 0,03%. A relação no plasma de T4:T3, é de cerca de 15:1. No entanto, atendendo a que a ligação da T3 às proteínas é mais lábil do que a da T4, a acção da T3 é mais rápida. Também a actividade da T3 é cerca de quatro vezes maior do que a da T4; esta tem uma actividade bastante reduzida, sendo convertida em T3 por acção de uma enzima, a tiroxina 5-di-iodinase. O tempo de semivida da T4 é de oito dias e a da T3 é de três dias.
As acções biológicas das hormonas tiroideias, e especialmente da T3, resultam da sua ligação específica a receptores nucleares ligados aos genes, com modificação da sua expressão biológica. Os receptores nucleares alfa estão localizados no cromossoma 17 e os receptores beta no cromossoma 3.
A acção periférica da T3 traduz-se num aumento do metabolismo, com aumento do consumo de 02 e aumento da calorigénese. A hormona tiroideia aumenta a síntese proteica, interferindo também no metabolismo dos hidratos de carbono e dos lípidos. Condiciona o crescimento e a diferenciação dos tecidos numa fase de imaturidade, pelo que tem um papel muito importante no desenvolvimento da criança, quer na sua fase intra-uterina, quer depois do nascimento.

AVALIAÇÃO DOS DOENTES COM PATO- LOGIA DA TIROIDEIA
Testes de função tiroideia

Os testes de função tiroideia têm evoluído bastante nas últimas duas décadas, desde a determinação do PBI (protein-bound iodine) até ao momento presente, com as provas imuno-radiométricas. As hormonas tiroideias influenciam e potenciam muitos dos processos metabólicos do organismo; a alteração das taxas de hormona circulante, resultam numa alteração de todos estes processos com manifestações clínicas características. No entanto, ligeiras alterações das mesmas taxas podem conduzir a um quadro sub-clínico, só detectável pelos métodos mais sensíveis para estudo da função tiroideia; estes estudos deverão ser efectuados sempre que haja suspeita de doença da tiroideia, quer para diagnóstico, quer para monitorização de uma terapêutica.
1. Determinação da TSH - Avalia a taxa circulante de hormona tireo-estimulante segregada pela hipófise. Os actuais métodos radio-imuno-métricos (IRMA) determinam estas taxas de uma forma ultra-sensível. Nos doentes com hipotiroidismo, as taxas de hormona tiroideia baixam e a TSH sobe. Como a elevação da TSH precede a queda da fracção livre de T4 até valores anormalmente baixos, a determinação da TSH é extremamente importante no despiste de formas frustes de hipotiroidismo. No caso do hipertiroidismo, a TSH apresenta valores baixos.
2. Determinação de T3 e T4 - As fracções livres de T3 e T4 correspondem às fracções não ligadas à TBG (thyroxine binding globulin) à TBPA (thyroxine binding prealbumin) ou à TBA, (thyroxine binding albumine). Estas fracções livres correspondem para T4 a 0,03% da T4 total e a 0,3% da T3 total. Daqui se infere que a determinação da T4 ou da T3 total é um método pouco sensível para avaliação da função tiroideia. Estes valores poderão ser influenciados por alterações do valor da TBG. Esta pode estar diminuída no síndroma nefrótico, na deficiência hereditária de TBG, em doentes com neoplasias malignas, e após a administração de corticosteróides ou de androgéneos; por outro lado, a TBG pode estar aumentada na gravidez, e durante a administração de estrogéneos. As variações da TBG farão variar na razão directa a T4 e a T3 totais, pelo que o método mais sensível é a determinação da T4 e da T3 livres (FT4 e FT3).
3. Determinação da tiroglobulina (Tg) - A tiroglobulina está aumentada em várias doenças da tiroideia, como na doença de Graves, na tiroidite sub-aguda e nas neoplasias diferenciadas da tiroideia. A determinação da Tg é importante na monitorização dos doentes submetidos a tiroidectomia por carcinoma, sendo utilizada como marcador tumoral nestes doentes. Nestes casos, com os doentes em regime de supressão com administração de T4 e TSH < 0,1, a Tg deverá descer a níveis inferiores a 1 ng/ml. Qualquer elevação desta taxa deverá corresponder a uma recidiva tumoral, que será necessário pesquisar com outros métodos.
4:Determinação da calcitonina - A calcitonina é produzida pela células C da tiroideia, e o seu valor encontra-se aumentado nos casos de carcinoma medular ou hiperplasia das células C. A determinação da calcitonina é importante para a monitorização pós-operatória dos doentes tratados por CMT, já que o seu valor representa de uma forma fidedigna o volume da massa tumoral presente.
5. Estudos da auto-imunidade - Os anticorpos antitiroglobulínicos (TGHA) e os anticorpos antimicrosomais (MCHA) podem ser determinados no soro. A presença de TGHA positivo invalida a possibilidade de monitorizar os doentes tratados por carcinoma diferenciado da tiroideia, com doseamento da Tg. Na doença de Graves e na tiroidite linfocítica é habitual a presença destes anticorpos. A presença de LATS (long acting thyroid stimulator) de TSl (thyroid stimulating immunoglobulins) e de TRAb (thyrotropin receptor antibodies) é habitualmente detectada na doença de Graves.
6. Testes de estimulação e supressãó
a) Teste de supressão:.- Consiste na administração durante sete a 10 dias de 75 mcg a 100 mcg de T3. Nos indivíduos normais há uma supressão hipofisária com diminuição da TSH; na cintigrafia da tiroideia, observa-se uma queda das taxas de fixação para valores normais. A não-supressão da fixação tiroideia ocorre na doença de Graves, nos nódulos tóxicos e na tiroidite linfocítica crónica.
b) Teste de estimulação com TSH- Nos doentes com hipotiroidismo, a falência na produção de hormona tiroideia pode ser de causa primária tiroideia, ou por falha da estimulação hipofisária por diminuição da produção de TSH. A administração durante três dias de 5 U de TSH subcutânea aumenta a fixação de I131 até níveis praticamente normais em doentes com hipotiroidismo. A resposta ao TSH pode também ser quantificada pelo doseamento da T4 e da T3 circulantes. Se o hipotiroidismo se deve a uma falência primária da tiroideia, a prova de estimulação é negativa.
c) Teste de estimulação ao TRH - Este teste determina a resposta da hipófise à administração de TRH (hormona hipotalâmica estimuladora da hipófise). Nos indivíduos com eutiroidismo, a administração de TRH provoca um pico máximo de TSH aos 30 minutos. Nos doentes com hipotiroidismo a resposta é hiperactiva com aumentos de 100 vezes aos 30 minutos. Nos doentes com hipertiroidismo, a administração de TRH provoca um aumento quase imperceptível da TSH.
7. Estudos com radio-isótopos - Baseiam-se estes estudos na capacidade que a tiroideia tem de fixar o iodo. Após administração de I131, este vai fixar-se na tiroideia, sendo visualizável através das imagens obtidas por uma gamacâmara. Inicialmente, utilizava-se o I131; hoje em dia, utiliza-se o I123 ou Tc99 com uma semivida mais curta, não sujeitando os doentes a doses tão elevadas de radiação.

DOSE DE RADIAÇÃO PARA A TIROIDEIA NA GGT
Isótopo
Dose para a tiroideia
I131
10 rad
Tc99
<1 rad
I123
2-3 rad

Os nódulos tiroideus podem classificar-se em «frios», se não se fixam, o rádio-isótopo e «quentes» ou «hiperfuncionantes» se o fixam. A gamagrafia é também importante para determinar a localização aberrante da tiroideia, como é o caso de bócios mergulhantes ou bócios linguais. Após uma tiroidectomia total, por carcinoma diferenciado da tiroideia, deverá executar-se uma gamagrafia corporal para detecção de eventuais metástases.
8. Ecografia da tiroideia – Este exame é importante para avaliação da estrutura da glândula, sendo capaz de nos dar informações úteis para a caracterização de um quadro patológico. Assim, é possível detectar nódulos palpáveis clinicamente, nódulos estes que, uma vez diagnosticados, deverão ser vigiados para avaliação da sua eventual progressão. É também possível avaliar se se trata de um nódulo único ou, pelo contrário, de um nódulo dominante dentro de um quadro de uma tiroideia multinodular. A ecografia dá-nos ainda a caracterização do nódulo, se é quístico ou sólido ou ainda misto; se o quisto tem paredes lisas ou, pelo contrário, há vegetações sólidas a partir da parede, podendo neste caso tratar-se de um carcinoma papilar num quisto.
8. TAC e RMN – Consideramos primordiais estes dois exames para estudo dos tumores malignos da tiroideia e para avaliação da extensão local e regional da doença. Estes dados são essenciais para o estadiamento da doença oncológica, para além de nos darem indicações preciosas sobre a ressecabilidade ou irressecabilidade do tumor, por envolvimento das estruturas vizinhas. No caso de grandes bócios com ou sem suspeita de componente mergulhante, a TAC ou a RMN, dão-nos com exactidão os limites da glândula e as suas relações com os vasos cervicais e com os grandes vasos do mediastino. Atendendo aos custos mais elevados de uma RMN, privilegiamos sempre, como primeiro exame, a TAC, só recorrendo à RMN em caso de dúvida (Fig. 5).

10. Citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) – Consideramos hoje em dia a citologia um exame de primeira linha de estudo dos nódulos da tiroideia. Baseados nela, é-nos possível fazer uma selecção dos doentes que deverão ser imediatamente operados, e dos que ficarão em vigilância médica. Classicamente, a citologia classifica-se de acordo com a maior ou menor probabilidade de se estar perante um tumor maligno da tiroideia, em positiva, suspeita, inconclusiva, negativa e insuficiente para diagnóstico. No caso de se tratar de um tumor folicular, a citologia não pode avançar mais no diagnóstico diferencial entre adenoma e carcinoma, já que este é feito unicamente no exame histológico por critérios de invasão da cápsula e angio-invasão. Perante uma citologia de tumor folicular, o médico deverá aconselhar ao doente o tratamento cirúrgico, pois só assim se poderá excluir ou inferir o diagnóstico de carcinoma folicular da tiroideia. A citologia é hoje em dia complementada pelos estudos imunocito-químicos passíveis de serem efectuados nos esfregaços da citologia. Também é possível determinar o DNA nuclear por citometria, a partir da citologia. Estes estudos, ainda não conclusivos, poderão abrir novos caminhos na avaliação pré operatória da agressividade biológica do tumor, permitindo adequar a terapêutica à maior ou menor agressividade tumoral (Fig. 6).

Hipertiroidsmo
O Hipertiroidismo ou tirotoxicose é uma síndroma caracterizada por um hipermetabolismo resultante de um excesso de hormona tiroideia circulante. O hipertiroidismo pode resultar de três formas major: o bócio tóxico difuso ou doença de Graves, o bócio nodular tóxico e o adenoma tóxico.
Clinicamente, o hipertiroidismo caracteriza-se por um aumento da sensibilidade ao calor, referindo o doente uma sudação abundante quando exposto a temperaturas médias. Há habitualmente uma perda de peso, embora paradoxalmente possa haver um acréscimo de apetite. Os doentes com sintomas de tirotoxicose, revelam habitualmente alterações do comportamento com heperexcitabilidade, instabilidade emocional e insónias, podendo o doente entrar em estados psicóticos. Há uma diminuição da força muscular e fadiga fácil. Na observação destes doentes é evidente um tremor fino dos dedos das mãos quando estes estão em hiperextensão e abdução. No exame neurológico observa-se uma hiper-reflexia. Na observação da pele, esta encontra-se quente, húmida e muitas vezes na face observamos um flush. As unhas apresentam alterações atróficas, com diminuição da sua resistência e descolamento do leito ungueal. O cabelo torna-se mais fino, referindo o doente, uma maior queda deste. Pode haver um mixedema pretibial em cerca de 5% dos doentes com doença de Graves. A ginecomastia aparece em 5% dos homens. As alterações do fluxo menstrual, são frequentes. A libido pode estar aumentada no entanto a fertilidade é reduzida. Os efeitos sobre o aparelho gastro-intestinal resultam em episódios frequentes de diarreia e aumento do número de dejecções diárias. As manifestações cardiovasculares incluem a taquicardia, a fibrilhação auricular e a insuficiência cardíaca congestiva frequentemente resistente à administração de digitálicos.

Doença de Graves

A etiologia da doença de Graves é desconhecida; no entanto, pensa-se que na origem desta doença esteja uma alteração auto-imune, resultado da presença de anticorpos contra os receptores da TSH (TRAb – Thyrotropin receptor antibodies) na tiroideia. Estes anticorpos ligando-se aos receptores da TSH e vão estimular a produção da hormona tiroideia. As imunoglubulinas LATS (long acting thyroid stimulator) e TSI (thyroid stimulating imunoglobulins), também estão presentes nos doentes com doença de Graves, assim como os anticorpos TGHA e MCHA. A prevelência á maior no sexo feminino com uma relação de 7:1, sendo mais frequente nos adultos jovens; alguns estudos apontam para uma predisposição genética com transmissão hereditária. Os factores psicossomáticos podem ter influência no desencadear da doença; no entanto, a sua importância etiológica não está provada. Microscopicamente, há uma hiperplasia folicular, com um epitélio colunar, folículos pequenos com escasso colóide. Pode haver alterações nucleares com algumas mitoses, e o epitélio pode apresentar projecções papilares como no carcinoma papilar. Clinicamente, a tiroideia apresenta-se difusamente aumentada de volume, de superfície lisa e consistência esponjosa. A sua vascularização está muito aumentada, podendo ser sentido um frémito na palpação cervical.
A doença de Graves é caracterizada pela associação de bócio, sintomas e sinais de hipertiroidismo e exoftalmia. Esta tríade pode coexistir ou podem aparecer isoladamente. Habitualmente, a tiroideia está aumentada difusamente de tamanho, apresenta uma consistência mole com característica esponjosa, muitas vezes associada a um frémito por hipervascularização. A compressão mantida do bócio durante a observação pode fazer diminuir o volume tiroideu e fazer desaparecer o frémito. A exftalmia, embora inconstante, é um sinal característico da doença de Graves. A sua etiopatogenia é independente do excesso de hormona circulante, dependendo de uma reacção auto-imune ligada à etiologia da própria doença. O tratamento médico ou cirúrgico do hipertiroidismo não faz regredir a exoftalmia, podendo, pelo contrário, haver um agravamento daquele. Os sinais oculares da doença de Graves incluem a exoftalmia propriamente dita com proptose e aumento da fenda palpebral (sinal de Dalrymple), o espasmo da pálpebra superior com retracção, a diminuição da frequência do pestanejar (sinal de Stellwag), o edema palpebral, a oftalmoplégia externa, a impossibilidade da convergência dos olhos na visão próxima (sinal de Mobius), e os sinais de congestão da conjuntiva. Outro dos sinais mais precoces da doença de Graves é o sinal de Grafe, consistindo este no seguinte: mandando-se o doente olhar para baixo, a pálpebra superior não acompanha o globo ocular, ficando uma área branca de esclerótica entre o bordo inferior da pálpebra e o bordo superior da córnea.
Em cerca de 5% dos doentes com doença de Graves há um mixedema pré-tibial, com espessamento e endurecimento da pele da região pré-tibial, logo acima do tornozelo. Este espessamento não é difuso, aparecendo sob a forma de máculas com um diâmetro que pode variar entre 0,5 cm e 6 cm, endurecidas e elevadas em relação à pele envolvente, e em sinal de godet. A coloração destas máculas é normalmente rosada. Em casos extremos elas podem coalescer, ficando toda a pele da região pré-tibial com este aspecto. Estas lesões estão sempre associadas a uma exoftalmia.

Bócio multinodular tóxico

A etiopatogenia desta situação resulta habitualmente de um bócio mutlnodular não tóxico, em que um ou vários dos nódulos adquirem uma capacidade de produção de um excesso de hormona da tiroideia, autonomamente em relação à hipófise. O hipertiroidismo nestas situações é monos acentuado do que na doença de Graves.
Na palpação, a glândula está toda ela aumentada, sendo evidente a presença de vários nódulos. Os sintomas compressivos são mais frequentes do que no bócio nodular não tóxico.

Adenoma tóxico

Neste caso, o hipertiroidismo resulta do funcionamento autónomo de um adenoma folicular. Clinicamente, o doente refere a presença arrastada de um nódulo tiroideu com crescimento lento mas progressivo. Os sinais de hipertiroidismo nunca são tão evidentes como na doença de Graves. Na palpação da tiroideia, observa-se um nódulo único, habitualmente bem delimitado, de consistência parenquimatosa. Nunca há exoftalmia, já que esta não está ligada ao excesso de hormona tiroideia, mas sim a fenómenos auto-imunes ligados à etiologia da doença de Graves.

Diagnóstico

O diagnóstico de hipertiroidismo baseia-se na sua suspeição clínica e na confirmação baseada nos testes de função tiroideia. Habitualmente há um aumento dos níveis séricos de hormona tiroideia e um decréscimo da TSH. A fixação do rádio-isótopo (I123) está aumentada, com taxas de fixação acima de 50%. A fixação na tiroideia pode ser difusa, como é o caso da doença de Graves, ou pode haver uma fixação num ou mais nódulos (nódulos quentes) com consequente supressão da restante glândula, que deixa de ser visualizada na GGT. Na doença de Graves, os TRAb (Thyrotropin receptor antibodies) estão aumentados, assim como os LATS (long acting thyroid Simulator) e as TSI (thyroid stimulating imunoglobulins). Habitualmente estão presentes anticorpos antitiro-globulina (TGHA) antimicrossoma (MCHA).


Tratamento

No tratamento do hipertiroidismo, o médico tem ao seu dispor três métodos terapêuticos: o bloqueio da síntese da hormona tiroideia com medicamentos anti-tiroideus, a destruição da tiroideia com iodo radioactivo e a ressecção subtotal da tiroideia. Cada um destes métodos tem vantagens e desvantagens.
O tratamento da doença de Graves com Propicil (propyltiouracilo) ou com Metibasol (tiamazole) é atractivo, já que não há necessidade de recorrer a uma intervenção cirúrgica com os riscos inerentes à mesma, e não há exposição à radiação. É também uma forma económica de tratamento. No entanto, a terapêutica para ser eficaz, necessita de ser feita correctamente, com medicação de oito em oito horas, e o doente tem necessidade de fazer visitas frequentes ao seu médico, com doseamentos hormonais e vigilância clínica. Este controlo apertado nem sempre é seguido pelo médico. Para além desta desvantagem, cerca de 12% dos doentes desenvolvem reacções secundárias, entra as quais as mais graves são a neutopénia e a granulocitose. Em cerca de 80% dos doentes, há uma recorrência do hipertiroidismo após o doente ter parado a medicação, pelo que estes doentes vêm a ter necessidade de outro tipo de tratamento.
O tratamento com iodo radioactivo (I131) é bastante eficaz na doença de Graves. Habitualmente é dada uma dose que varia entre os 3 millicuries e os 10 millicuries. A vantagem deste tipo de terapêutica reside no facto de se evitar a tiroidectomia, o que em doentes de risco é uma vantagem importante. A terapêutica é, em termos económicos, bastante menos dispendiosa do que a tiroidectomia. As desvantagens do I131 são o hipotiroidismo, calculando-se que anualmente a percentagem destes casos aumente em 3% o risco de alterações genéticas dos descendentes por irradiação das gónadas, e o aparecimento de novos tumores induzidos pelas radiações, tias como a leucemia e o carcinoma da tiroideia. Habitualmente, esta terapêutica limita-se a doentes com mais de 40 anos, que já não pretendam ter mais filhos. A gravidez é uma contra-indicação absoluta.
Pelos potenciais riscos do I131 , a tiroidectomia subtotal é hoje em dia a terapêutica de eleição na caso da doença de Graves, especialmente nos doentes com menos de 40 anos. A maior vantagem do tratamento cirúrgico reside no facto de se obter um equilíbrio hormonal rápido, o que permite uma reabilitação rápida do doente. As desvantagens são o risco da intervenção cirúrgica, especialmente a morbilidade em relação aos nervos recorrentes e glândulas paratiroideias, o stress do doente e ainda o custo económico mais elevado. No caso de doentes com bócio multinodular tóxico, a terapêutica de eleição é o iodo radioactivo, exceptuando as contra-indicações deste tratamento nos indivíduos com menos de 40 anos. No caso de adenomas tóxicos, o tratamento é habitualmente cirúrgico.
Previamente ao tratamento cirúrgico, é obrigatória a reversão do hipertiroidismo para uma situação de eutiroidismo, recorrendo-se à administração de Propocil ou Metibasol pelo menos durante seis semanas. Esta preparação, evita os casos graves de tempestade tiroideia (thyroid storm), descritas no pós-operatório dos doentes operados por hipertiroidismo. Dez das antes da intervenção cirúrgica, o doente deve iniciar uma terapêutica com soluto de Lugol (iodeto de potássio), com dez gotas três vezes por dia. O soluto de Lugol vai tornar a glândula mais firme e diminuir a sua vascularização, facilitando a intervenção cirúrgica e diminuindo a hemorragia intra-operatória. A tiroidectomia deve ser subtotal, deixando cerca de 8gr de tecido tiroideu. Na nossa opinião. É preferível ser mais radical, ressecando mais tecido tiroideu, desde que haja a garantia de não induzir um hipotiroidismo no doente; o hipotiroidismo é fácil de reequilibrar recorrendo à administração de hormona tiroideia, o que diminui o risco de recidiva.

Tratamento da exoftalmia

A exoftalmia, sinal característico da doença de Graves, evolui independentemente do hipertiroidismo, estando etiologicamente ligada às alterações auto-imunes que caracterizam a doença de Graves. O tratamento do hipertiroidismo pode mesmo agravar a exoftalmia, pelo que nos doentes tiroidectomizados pode haver indicação para a profilaxia deste agravamento com recurso aos corticosteróides. O hipotiroidismo que se pode estabelecer pós terapêutica também pode agravar a exoftalmia, pelo que o equilíbrio hormonal do doente deve ser rapidamente conseguido. O tratamento da exoftalmia propriamente dito é habitualmente sintomático, numa tentativa de diminuir os sinais inflamatórios da conjuntiva e precaver o doente contra o aparecimento de lesões ulceradas da córnea; para isto recorre-se à aplicação de colírios com corticosteróides. Se, apesar da aplicação de colírios, se estabelecem lesões da córnea, pode haver indicação para uma tarsorrafia. Nos casos em que a tensão intra-orbitária compromete a visão, está indicada a descompressão cirúrgica da órbita. Foi também descrita a irradiação da órbita com o intuito da descompressão, no entanto o aparecimento secundário a esta terapêutica de cataratas provocadas pela radiação contra-indica este método.

Hipotiroidismo

O hipotiroidismo ou mixedema ocorre em cerca de 1% a 2% dos idosos, e é sete vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens. As formas espontâneas resultam da aplasia folicular da tiroideia, como é o caso dos hipotiroidismos congénitos e juvenis, ou da sua substituição por tecido não funcionante, como é o caso das tiroidites. As formas secundárias resultam de uma quebra na estimulação da tiroideia por diminuição da TSH. Uma outra fonte de hipotiroidismos secundários resulta da ressecção cirúrgica da totalidade da tiroideia ou da sua destruição com I131.
O hipotiroidismo que se estabelece durante a idade adulta não tem habitualmente consequências graves para os doentes, bastando um tratamento adequado com hormona tiroideia para que os doentes voltem à normalidade. Se o hipotiroidismo se estabeleça antes do parto, ou durante a infância, poderá haver consequências irreversíveis para o desenvolvimento físico e mental da criança. Nos casos neo-natais, resultantes de uma situação de hipotiroidismo da mãe, seja ele endémico ou induzido iatrogenicamente pela administração de drogas que inibem a síntese da hormona tiroideia ou por tiroidectomia total não compensada, as crianças apresentam um aspecto físico denominado “cretinismo”. Nos casos que se estabelecem durante a infância, as manifestações de “cretinismo” não são tão evidentes; o desenvolvimento físico é deficiente, mas as alterações mentais não são tão graves.
O hipotiroidismo espontâneo do adulto é normalmente uma manifestação da tiroidite linfocítica; 80% dos doentes são do sexo feminino. As formas secundárias, se exceptuarmos os casos raros de mixedema hipofisário, resultam de uma terapêutica ablativa da tiroideia com cirurgia ou com I131.
Clinicamente, no adulto, o hipotiroidismo manifesta-se por uma perda de resistência ao frio, diminuição da sudação, cabelo e pele secas, rouquidão, fraqueza muscular, mialgias e cãibras. Pode haver astenia, alterações da personalidade, obstipação e alterações menstruais. Há uma diminuição da libido tanto no homem como na mulher, alterações da ovulação na mulher e uma oligospermia ou azoospermia no homem. Habitualmente há um aumento de peso no doente.
No exame da face, este apresenta-se inexpressiva e parada, o rosto fica arredondado e com edema. As pálpebras apresentam-se também com edema. A língua aumenta de volume. A pele está seca, fria e com perda de elasticidade. Pode haver perturbações da visão. A silhueta cardíaca aumenta de tamanho e pode haver um derrame pericárdico. Pode haver, derrames pleurais com insuficiência respiratória. No exame neurológico os reflexos estão alterados.
O diagnóstico é feito com o estudo da função tiroideia com diminuição de T3 e T4; a TSH está muito aumentada. Há habitualmente uma anemia e as taxas de colesterol estão aumentadas. No ECG, há uma bradicardia sinusal, com complexos de baixa voltagem e com ondas T aplanadas ou invertidas. No EEG, observa-se uma actividade alfa lenta e uma baixa amplitude.
A terapêutica do hipotiroidismo é simples e efectiva, com a administração de hormona tiroideia, habitualmente T4. O controlo da dosagem deve ser monitorizada com determinações das taxas de T3, T4 e TSH. A terapêutica deve iniciar-se com baixas dosagens, já que os doentes de hipotiroidismo têm uma hipersensibilidade à hormona tiroideia; inicia-se com a administração de 50 microgramas de L-tiroxina, aumentando-se depois progressivamente a dose até atingir o equilíbrio hormonal do doente.

Tiroidite

A denominação “tiroidite” corresponde a uma doença inflamatória da tiroideia, podendo esta ser aguda ou crónica.

Tiroidite aguda supurativa

Esta forma de tiroidite é rara. Manifesta-se de uma forma súbita, habitualmente no seguimento de uma infecção das vias aéreas superiores. O doente refere dores intensas na área tiroideia acompanhadas de arrepios e calafrios, febre alta, disfagia e por vezes disfonia. A dor é espontânea, podendo exacerbar-se com a palpação. Há por vezes tumefacção de um dos lobos da tiroideia com sinais inflamatórios cutâneos e sinais de abcesso. Não há habitualmente alterações da função tiroideia. O tratamento é a drenagem cirúrgica dos abcessos e o tratamento antibiótico orientado pelo exame bacteriológico e TSA. Os estreptococos hemolíticos, o estafilococos aureus e o pneunmococos são as estirpes mais vulgarmente envolvidas na génese do processo de tiroidite crónica infecciosa. Este tipo de tiroidite, pode ter como agente etiológico a tuberculose, a actinomicose ou a sífilis.

Tiroidite tuberculosa

Insere-se normalmente num quadro de tuberculose em fase de disseminação. Causas raras incluem a extensão directa a partir de estruturas vizinhas, nomeadamente a laringe, ou a tuberculose ganglionar cervical. Clinicamente há um aumento da tiroideia com formação de um nódulo, dos à palpação, temperaturas subfebris e uma VS aumentada. O diagnóstico é feito por isolamento de bacilos acido-resistentes no material de biópsia, seja ela por citologia, seja incisional. A terapêutica desta situação é médica, com tuberculostáticos. Nos casos resistentes à terapêutica, poderá ser encarada a possibilidade da terapêutica cirúrgica.

Tiroidite subaguda de Quervain

Outras das denominações para esta entidade são sa de «tiroidite viral», granulomatosa e «pseudotuberculose». A origem desta afecção é provavelmente viral. Clinicamente o doente refere aumento difuso da tiroideia com início algumas semanas antes, aumento progressivo e sensação de aperto cervical e dor exacerbada pela palpação. Pode haver febre embora esta não seja alta. À palpação da tiroideia, globalmente ou de um dos seus lobos, estes apresentam-se firmes e tensos, sendo difícil delimitar a glândula. A VS está elevada. O diagnóstico é habitualmente histológico ou mesmo citológico. A tiroidite de Quervain é uma doença auto-limitada, respondendo favoravelmente à terapêutica médica, com corticosteróides, anti-inflamatórios e correcção da função tiroideia. Volpé divide a evolução desta doença em quatro fases. A primeira com uma duração de um a dois meses, com aumento doloroso da tiroideia e sintomas de hipertiroidismo; a segunda com a transição para uma situação de eutiroidismo e desaparecimento das dores localizadas à tiroideia; a terceira com um hipotiroidismo de compensação, ocorrendo cerca de dois a quatro meses após o início da doença; e a quarta com a remissão completa do quadro clínico e laboratorial, ocorrendo cerca de dois a seis meses após o início.

Tiroidite de Riedel (Struma)

A tiroidite de Riedel é uma doença inflamatória crónica da tiroideia caracterizada pela infiltração da glândula por tecido fibroso denso. A sua incidência é muito baixa, podendo envolver um dos lobos ou, mais frequentemente, toda a glândula. A infiltração por tecido fibroso pode estender-se aos tecidos vizinhos, músculos pré-tiroideus, bainhas vasculo-nervosas, traqueia, esófago, mediastino. A idade de maior prevalência é na década dos 50 anos, sendo mais frequente nas mulheres do que nos homens. A sintomatologia habitual resulta do encarceramento de estruturas vitais, tais como a traqueia, os nervos recorrentes e o esófago. Nas fases avançadas pode haver hipotiroidismo. Alguns doentes em anticorpos antitiroideus positivos, embora esta ocorrência seja menos frequente do que na tiroidite Hashimoto. O tratamento é inicialmente médico com hormonas tiroideia para compensar o hipotiroidismo. A cirurgia está indicada caso haja sintomas de encarceramento ou compressão e exequibilidade da mesma, já que poderá haver invasão de outras estruturas que não permitam a dissecção da tiroideia. Neste caso, poderá estar indicada a descompressão traqueal com ressecção do istmo.

Tiroidite de Hashimoto

A tiroidite de Hashimoto, ou tiroidite linfocítica crónica, é a forma mais frequente de tiroidite crónica, havendo a noção do aumento da sua prevalência.
Etiologicamente, a tiroidite de Hashimoto é uma doença auto-imune, em que a tiroideia se torna sensível aos seus próprios anticorpos. Os anticorpos antimicrossoma (MCHA) e antitiroglobulina (TGHA) podem ser encontrados nestes doentes. A imunidade celular poderá ter também um papel importante na génese desta doença. Estudos genéticos apontam para uma predisposição familiar para esta doença. Há uma relação estatisticamente significativa entre o carcinoma papilar e a tiroidite linfocítica, tendo sido encontrados focos de tiroidite em doentes com carcinoma papilar. Lindsay sugere que estes focos são secundários ao carcinoma papilar, implicando os antigéneos tumorais na génese desta resposta. Outros sugerem, pelo contrário, que o carcinoma é secundário à tiroidite, já que esta, induzindo um hipotiroidismo, faz com que a TSH suba a níveis capazes de promover a génese de um carcinoma.
Histologicamente, há uma infiltração linfocítica com rotura das células epiteliais e fragmentação da membrana basal dos folículos. Algumas células epiteliais tornam-se oxifílicas (células de Askanazy). O infiltrado linfocítico pode ser focal ou difuso.
Clinicamente, a doença é quase exclusiva do sexo feminino, com uma idade média de 50 anos. Há um aumento localizado ou difuso da tiroideia, com dor e sensação de tensão na área tiroideia. Pode haver sinais compressivos da traqueia, dos nervos recorrentes ou do esófago. Os doentes referem fadiga fácil muitas vezes com aumento de peso induzido provavelmente pelo hipotiroidismo que se pode estabelecer. Pode estar associada a outras doenças auto-imunes, tais como a artrite reumatóide, o lúpus, anemias hemolíticas, púrpura, miastenia grave e anemia perniciosa.
O diagnóstico é normalmente obtido pela determinação dos anticorpos antitiroideus e pela citologia aspirativa, nunca se devendo esquecer a probabilidade de uma tiroidite linfocítica poder estar associada a focos de carcinoma papilar.
O tratamento da tiroidite de Hashimoto sem sintomas compressivos, e sem presença de nódulos individualizáveis, é médico, com doses supressivas de hormona tiroideia. Caso haja compressão, ou o aumento da tiroideia seja de molde a provocar problemas estéticos ao doente, o tratamento deverá ser cirúrgico com tiroidectomia subtotal. No caso de tiroidite linfocítica associada a um nódulo, o tratamento deverá ser sempre cirúrgico com lobectomia total e exame extemporâneo para exclusão da possibilidade de se tratar de um carcinoma papilar. Caso este último diagnóstico se venha a confirmar, o doente deverá ser sujeito a uma tiroidectomia total.

Bócio

A denominação de “bócio” corresponde a um aumento de volume da tiroideia, de etiologia benigna.
A Sociedade Americana para o estudo dos Bócios classifica-os em bócio difuso não tóxico, bócio multinodular não tóxico, bócio difuso tóxico e bócio nodular tóxico. Por já terem sido abordadas as duas últimas formas, na parte correspondente ao hipertiroidismo, limitar-nos-emos às duas primeiras.




Etiologia

Excepto nos bócios familiares, em que a causa do bócio resulta de defeitos enzimáticos transmitidos hereditariamente de uma forma autossómica recessiva, e nos bócios esporádicos, em que por exclusão não se identifica uma causa para o aumento da tiroideia, a grande maioria dos bócios não tóxicos resulta da deficiente ingestão do iodo na dieta. São os chamados «bócios endémicos», frequentes em determinadas zonas onde as taxas de iodo na água são muito baixas. Presentemente, com o enriquecimento da água potável com iodo, esta forma de bócio tem vindo a diminuir de incidência, sendo no entanto ainda a forma mais frequente, seguida do bócio esporádico. Há ainda casos de bócios induzidos por determinados alimentos bociogénicos ou por medicamentos.
O bócio nodular resulta do estímulo continuado e intermitente provocado pela deficiência de iodo. Marine foi o primeiro a reconhecer que a deficiência deste provoca na tiroideia uma hiperplasia cíclica, com involução colóide e formação de nódulos. Os estudos de Taylor, feitos em tiroideias removidas pela cirurgia, provaram que a primeira resposta à deficiência de iodo é a hiperplasia difusa da glândula. A forma como esta hiperplasia difusa evolui para a nodularidade não está bem esclarecida; no entanto, pensa-se que na base desta transformação esteja a estimulação intermitente da glâdula. Nesta situação há zonas focais da tiroideia que sofrem uma atrofia por exaustão com os folículos aumentados e distendidos por colóide; se o processo se mantiver durante meses e anos, a glândula aumenta progressivamente de tamanho, não pela hiperplasia, mas devido aos folículos aumentados e distendidos com colóide. Com a evolução, alguns folículos sofrem uma rotura, desenvolvendo-se fenómenos inflamatórios intra-glandulares. Finalmente, surgem vários processos degenerativos, tais como hemorragias, fibrose, formação de quistos e calcificações. Estas alterações produzem múltiplos nódulos.

Patologia

Os aspectos macroscópicos e microscópicos da tiroideia, no bócio multinodular, variam de acordo com a duração da hiperplasia. Com a hiperestimulação provocada por níveis elevados de TSH, como acontece nos bócios resultantes de deficiências enzimáticas, a glândula aumenta difusamente por hiperplasia com um epitélio folicular de células muito altas, folículos pequenos e sem colóide. Alguns bócios nas crianças são deste tipo. Com a estimulação moderada e intermitente durante longos períodos, tal como acontece nos bócios endémicos em zonas de deficiência de iodo, as alterações mais significativas não são a hiperplasia, mas sim a involução e as alterações degenerativas secundárias à hiperplasia. A deficiência de T4, por qualquer causa, produz um bócio inicialmente hiperplásico, mas que mais tarde é caracterizado por uma acumulação excessiva de colóide, e pela formação de nódulos. Nas fases mais tardias, a glândula pode pesar 1 500 gr ou mais, provocando uma sintomatologia compressiva. Para além desta complicação, os nódulos podem tornar-se hiperplásicos e segregar quantidades de hormona suficientes para inibirem a restante glândula; estes nódulos quentes são habitualmente autónomos. Se mais do que um nódulo se torna hiperfuncionante, pode haver sintomatologia de hipertiroidismo, designando-se por «hiperitoidismo secundário» para o distinguir da doença de Graves. Neste caso nunca há exoftalmia.

Clínica

O bócio multinodular tem uma maior prevalência no sexo feminino, podendo manifestar-se na puberdade. Os sinais e sintomas relacionam-se com o tamanho do bócio e a sua localização, podendo ser responsável por compressão da traqueia com dispneia, compressão dos nervos recorrentes com parésia de uma corda vocal ou ainda compressão esofágica com perturbações na deglutição e disfagia. A dispneia por compressão traqueal, pode ser induzida pela elevação dos braços, com compressão ao nível do opérculo torácico (sinal de Pemberton). A doente pode ainda valorizar o aspecto estético provocado pelo bócio.
O Rx simples do pescoço pode mostrar calcificações na área tiroideia, e desvios da traqueia. A ecografia mostra uma tiroideia com estrutura heterogénea com nódulos múltiplos. Na TAC podem ser evidentes a heterogeneidade e a nodularidade da glândula, a compressão da traqueia com diminuição do lúmen desta, a extensão ao mediastino. A GGT revela uma tiroideia aumentada, com múltiplos nódulos não fixantes. A CAAF revela aspectos sugestivos de bócio colóide, sem imagens suspeitas de neoplasia. Este exame é habitualmente pouco relevante, excepto na situação de um nódulo dominante ou com características palpatórias diferentes dos restantes.
Perante o crescimento progressivo de um nódulo dominante num bócio multinodular, terá de ser excluída sempre a possibilidade de esse nódulo ser um carcinoma da tiroideia.

Tratamento

O tratamento do bócio multinodular é, em geral, médico, com hormona tiroideia. Desta forma consegue-se uma baixa da TSH e, consequentemente, uma diminuição da estimulação da tiroideia, com estabilização do crescimento do bócio. Raramente, o bócio pode regredir com a terapêutica supressiva com T4.
A cirurgia tem um papel determinante no tratamento desta doença, sendo as suas indicações ligadas às características do próprio tumor (volume e fenómenos compressivos), à suspeita de malignidade e ainda às alterações cosméticas dele resultantes. O tratamento cirúrgico é a tiroidectomia subtotal, conservando-se uma zona de tecido tiroideu na parte média e posterior à glândula.

NÓDULO TIROIDEU

O nódulo tiroideu, definido como um tumor esférico individualizavel no seio de uma tiroideia restante de estrutura normal, é na maior parte dos casos uma lesão benigna. No entanto, a possibilidade de se tratar de um carcinoma é sempre uma hipótese a considerar. Procuraremos, pois, sistematizar a estratégia diagnostica e terapêutica a seguir nestes casos, tendo sempre em vista a principal controvérsia neste campo: quais os nódulos que devem ser excisados cirurgicamente e quais os nódulos que devem ser mantidos sob tratamento e vigilância médica. Esta controvérsia parte do pressuposto de que uma percentagem elevada dos indivíduos apresenta nódulos únicos da tiroideia, sem no entanto ser necessário operar todos os nódulos.
Calcula-se que cerca de 4% da população tem um nódulo tiroideu clinicamente palpável e destes cerca de 5% a 20% são carcinomas. A percentagem de nódulos tiroideus aumenta com a idade, sendo quatro vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens. A percentagem de nódulos diagnosticados aumenta também com o acréscimo da sensibilidade dos métodos utilizados; assim, em estudos de screening utilizando a ecografia, cerca de 40% da população apresenta uma tiroideia com um ou mais nódulos, a maioria não detectáveis pela palpação. A incidência de carcinoma da tiroideia é de 40 a 50 novos casos/ano por 1 000 000 de habitantes. A mortalidade anual é de seis por 1 000 000.
Clinicamente, qualquer doença da tiroideia pode manifestar-se por um ou mais nódulos. No entanto, há quatro situações principais:
1. Nódulos colóides – Representam um nódulo dominante, num quadro de uma tiroideia multinodular, comprovada por ecografia, gamagrafia ou durante a cirurgia. A citologia revela presença abundante de substância colóide e de células foliculares sem alterações particulares.
2. Adenomas foliculares – São tumores benignos com origem no epitélio folicular. São habitualmente únicos, capsulados e de estrutura sólida. Classificam-se de acordo com as dimensões dos folículos e o grau de celularidade em macro-folicular, microfolicular (fetal), embrionários (trabeculares), de células de Hurthle (oxifílicos).
3. Nódulos malignos – Os mais frequentes são os carcinomas papilares, normalmente identificáveis por citologia. Os carcinomas foliculares são os segundos em frequência, sendo o seu diagnóstico citológico difícil, já eu os critérios diagnósticos de adenoma vs carcinoma folicular são essencialmente histológicos por invasão da cápsula e angio-invasão. O carcinoma medular é o terceiro em frequência, sendo diagnosticavel habitualmente por citologia e por doseamento da calcitonina. O carcinoma anaplástico e o linfoma manifestam-se habitualmente por um aumento difuso da tiroideia, não sendo individualizavel um nódulo. Pode haver ainda carcinomas metastáticos na tiroideia.
4. Quistos da tiroideia – Cerca de 15% a 25% dos nódulos da tiroideia são quísticos, enquadrando-se num quadro de bócio multinodular. O diagnóstico de quisto não exclui a possibilidade de se tratar de um carcinoma papilar.

Diagnóstico diferencial nódulo benigno vs maligno

A colheita pormenorizada da história clínica do nódulo e a observação pormenorizada do doente são os primeiros passos para este diagnóstico.
Alguns dados clínicos aumentam o risco de um nódulo corresponder a um tumor maligno:
1. A irradiação cervical prévia;
2. Os antecedentes familiares de carcinoma medular;
3. A idade jovem e a avançada (menos de 20 mais de 60 anos);
4. O crescimento progressivo;
5. A aderência aos tecidos vizinhos;
6. A existência de disfonia;
7. A existência de adenopatias cervicais;
8. Ã existência de metástases à distância.

Os testes de função tiroideia não são habitualmente de grande utilidade neste diagnóstico, já que a maioria dos nódulos se apresentam clinicamente com o doente em eutiroidismo. A gamagrafia da tiroideia, até há pouco tempo considerada o primeiro exame complementar a efectuar nestes doentes, também não é esclarecedora, já que tanto os carcinomas como os restantes nódulos benignos se apresentam normalmente como nódulos frios. A ecografia pode fornecer-nos informações importantes, tais como se o nódulo é sólido ou quístico e se o nódulo é único, ou pelo contrário, se trata de um nódulo dominante numa tiroideia multinodular.
A citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) é hoje considerada, na maioria dos centros, o exame-chave na triagem dos nódulos tiroideus para a cirurgia ou para a vigilância médica. A citologia pode ser positiva, como acontece na maioria dos casos de carcinoma papilar ou medular, pode ser suspeita, no caso de alguns carcinomas papilares ou medulares, e ainda em tumores foliculares com elevada celularidade, pode ser inconclusiva, no caso dos tumores foliculares e pode ser benigna, no caso dos bócios colóides. A resposta da citologia pode ainda referir ser o material aspirado insuficiente para diagnóstico, sendo aconselhável nova citologia.

Estratégia terapêutica

A estratégia mais utilizada hoje em dia baseia-se na citologia como primeiro exame; uma única ressalva a este esquema diagnóstico é o caso de nódulos tiroideus associados a sintomas e sinais de hipertiroidismo. Nestes casos, a GGT e o estudo da função tiroideia são prioritários.
Como esquema resumido, proporíamos o seguinte:

Positiva Cirurgia
Suspeita Cirurgia
Frio Cirurgia
CAAF Inconclusiva GGT
Quente T. médico
Benigna Vigilância vs. Cirurgia

TUMORES BENIGNOS

Os tumores benignos da tiroideia correspondem aos adenomas foliculares. Classicamente estes são classificados em embrionário, fetal, macro e microfolicular e de células de Hürthle ou de células oxifílicas. Macroscopicamente, são tumores capsulados com uma área envolvente de tecido tiroideu comprimido. Histologicamente, observam-se folículos com as células dispostas de uma forma ordenada, com raras mitoses e sem zonas de invasão da cápsula ou de invasão dos vasos linfáticos ou sanguíneos. Cerca de 80% dos tumores foliculares são adenomas. Os restantes 20% são carcinomas foliculares.
Clinicamente, manifestam-se de uma forma assintomática pelo achado de um nódulo tiroideu de crescimento lento, muitas vezes com vários anos de evolução. Pode haver hemorragia no interior do adenoma, manifestando então o doente um aumento brusco do nódulo acompanhado de dor. Não há adenopatias palpáveis. A função tiroideia é normal. A ecografia revela nódulo sólido. A gamagrafia mostra um nódulo habitualmente não fixante, podendo nalguns casos se hiperfuncionante. A citologia aspirativa com agulha fina revela presença de células foliculares com núcleos isomórficos e regulares com escasso colóide, não podendo o citologista avançar para além do diagnóstico de tumor folicular.
O tratamento dos adenomas foliculares é cirúrgico, pois até ao momento em que o diagnóstico definitivo nos é fornecido, é impossível excluir com segurança a presença de um carcinoma. A cirurgia mínima consiste numa lobectomia total com istmectomia com exame histológico extemporâneo. No caso de este exame revelar tratar-se de um carcinoma, dever-se-á totalizar a tiroidectomia com lobectomia total contralateral. Nos casos de carcinoma folicular com invasão mínima, o exame extemporâneo raramente é diagnóstico, pelo que este resultado só é obtido ulteriormente no exame histológico definitivo. Nestes casos, optamos por manter os doentes em vigilância e não completar a tiroidectomia. Discute-se a utilização de terapêutica supressiva com T4 como forma de prevenir as recorrências. É nossa opinião que, caso o adenoma folicular não seja enquadrado numa situação de hiperplasia nodular, não se deverá manter estes doentes com terapêutica supressiva.

TUMORES MALIGNOS

O cancro da tiroideia é uma neoplasia relativamente pouco frequente, 0,1 a 3,7/100 000 nos homens e 0,4 a 9,6/100 000 nas mulheres. Em estudos efectuados em autópsia, encontram-se carcinomas ocultos em 2% a 4% das tiroideias. Tais tumores não têm praticamente expressão clínica. Oitenta a 90% destas neoplasias são carcinomas diferenciados de origem folicular – 15% a 20% foliculares e 60 a 70% papilares.
A irradiação do pescoço é um factor etiológico inquestionável dos carcinomas da tiroideia; o período de latência pode atingir os 20 ou mesmo 30 anos. No entanto, o iodo radioactivo utilizado quer como diagnóstico, quer como tratamento do hipertiroidismo, não envolve, segundo a maioria dos autores, um risco acrescido de malignização tiroideia.
A TSH, factor de crescimento dos tumores da tiroideia, tem papel cancerígeno bem demonstrado em experimentação animal. Contudo, nunca foi possível demonstrar cabalmente no homem a acção cancerígena de níveis persistentemente elevados desta hormona.
Por outro lado, está demonstrado que o teor de iodo na alimentação condiciona a predominância relativa dos dois tipos de carcinoma diferenciados, sendo os carcinomas papilares relativamente mais frequentes nas zonas onde o aporte iodado é maior.
Os tumores malignos da tiroideia classificam-se, de acordo com o grau de diferenciação das células e com a sua histogénese, em carcinoma papilar, folicular, medular e anaplástico. Para além destes, a tiroideia pode ser sede de tumores com origem nas células linfóides ou no tecido conjuntivo, e ainda de tumores metastáticos. Para cada um destes tumores a patologia, a etiopatogenia e o comportamente biológico são distintos, constituindo entidades patológicas bem individualizadas. Os carcinomas papilar e folicular são habitualmente considerados tumores bem diferenciados da tiroideia, com origem folicular.

CARCINOMA BEM DIFERENCIADO

Biologia

De uma maneira geral, os carcinomas diferenciados de origem folicular conservam a capacidade de captar e organificar o iodeto. Esta capacidade é, contudo, de ordem de grandeza muito inferior à do tecido tiroideu normal. Com a tiroglobulina sucede facto semelhante, tendo esta proteína concentração muito inferior relativamente ao tecido normal. Tal não impede, no entanto, a sua detecção por imuno-histoquímica. E também que a secreção de tiroglobulina pelo tecido neoplásico é superior à do tecido tiroideu normal.
As células da maior parte dos carcinomas diferenciados possuem receptores para a TSH, e a estimulação dessas células pela tropina hipofisária aumenta a captação dos iodetos e a síntese e secreção da tireoglobulina. Está também provado que a TSH induz a proliferação das células tumorais da tiroideia.
Numerosas linhas de investigação orientam-se na procura das anomalias moleculares que possam estar na base da oncogénese tiroideia, na perspectiva de identificar os factores de crescimento que estão na origem da proliferação tumoral. Assim, vários oncogénes surgem activados nas neoplasias diferenciadas da tiroideia. Estes conhecimentos não tiveram até à data aplicações directas à clínica.
Há diferenças de comportamento biológico nas duas variedades de carcinoma diferenciado. Os carcinomas papilares têm um linfotropismo acentuado, daí advindo a sua tendência para a multicentricidade e a metastização linfática loco-regional.
Os carcinomas foliculares, pelo contrário, são angio-invasivos, dando origem, com frequência, a metástases à distância, sobretudo pulmonares e ósseas.

CARCINOMA PAPILAR

Tanto o carcinoma papilar como o folicular são tumores bem diferenciados com origem nas células foliculares da tiroideia. O carcinoma papilar é o tumor maligno mais frequente, constituindo cerca de 65% de todos os carcinomas da tiroideia. A sua prevalência é maior no sexo feminino, entre a terceira e a quarta décadas de vida. A incidência relativa ao carcinoma papilar, quando comparado com os outros tipos de carcinoma, á maior durante a infância e a adolescência, diminuindo com a progressão da idade. Cerca de 90% dos tumores da tiroideia induzidos pelas radiações são carcinomas papilares. O carcinoma papilar é, biologicamente, um tumor de crescimento lento, dependente da estimulação da hormona hipofisária tireo-estimulante (TSH). Em idade mais avançada, este tumor sofre um processo de desdiferenciação, com menor hormonodependência e maior agressividade biológica, sendo então o seu crescimento bastante mais rápido.

Patologia

O Carcinoma papilar é constituído histologicamente por um epitélio colunar, disposto de uma forma que se assemelha a papilas, separadas por um tecido conjuntivo ricamente vascularizado. As células colunares são relativamente uniformes, mas a sua disposição é desordenada; os núcleos são por vezes anisocarióticos e hipercromáticos. Em alguns destes tumores há depósitos de cálcio dispersos no estroma conjuntivo – psammoma bodies. A presença destes depósitos é altamente sugestiva de um carcinoma papilar, embora possam aparecer noutros tipos histológicos de carcinoma da tiroideia. Muitas vezes, coexistem nestes tumores elementos foliculares, sem que essa presença altere a classificação histológica do tumor. Histologicamente pode haver invasão dos vasos linfáticos e sanguíneos; no entanto, a disseminação por via hemática destes tumores é rara; a presença frequente de metástases pulmonares numa fase precoce em doentes muito jovens é interpretada, hoje em dia, não como resultado de uma disseminação por via hemática, mas sim como uma extensão por via linfática através do mediastino superior até aos pulmões. Pelo contrário, a disseminação através da rede linfática para os gânglios regionais é frequente. Neste caso, o aspecto histológico das metástases ganglionares é semelhante ao do tumor primitivo. Por vezes o tumor, parece encontrar um meio de progressão nos gânglios melhor do que na tiroideia, pelo que é frequente encontrarmos doentes em que o primeiro sinal é a presença de uma adenopatia metastática sem tumor palpável na tiroideia. A presença de tecido tiroideu num gânglio, mesmo que não sejam evidentes aspectos morfológicos de carcinoma, deve ser considerada uma metástase de um carcinoma papilar da tiroideia. O conceito de tiroideia lateral aberrante está actualmente ultrapassado, sendo de negar a existência de tal entidade. Na tiroideia, o carcinoma papilar é muitas vezes multicêntrico, variando, conforme os estudos, até 80% esta eventualidade. A disseminação pode ocorrer na própria glândula, sendo por vezes difícil fazer o diagnóstico diferencial entre focos metastáticos intraglandulares e multicentricidade. O carcinoma papilar classifica-se de acordo com o seu tamanho e a extensão local, em carcinoma oculto se tem menos de 1 cm de diâmetro, em carcinoma intratiroideu e em extratiroideu se há invasão da cápsula da glândula e extensão aos tecidos peritiroideus, Esta classificação determina o prognóstico destes tumores de uma forma bastante aproximada, sendo no entanto de ter em conta outros factores, como a idade. Dentro dos carcinomas papilares há formas histológicas menos diferenciadas condicionando um comportamento biológico diferente, com maior agressividade.

Clínica

Clinicamente o carcinoma papilar, manifesta-se habitualmente pelo aparecimento de um nódulo tiroideu, muitas vezes com história de uma evolução prolongada, outras vezes de aparecimento recente. O nódulo é habitualmente de consistência mais dura do que os nódulos benignos; os sinais de fixação ou a sintomatologia compressiva não são habituais, a não ser nas fases mais tardias dete tumor. Pode haver adenopatias metastáticas regionais, jugulo-carotídeas ou espinhais. As metástases sistémicas, pulmonares, ósseas, ou noutras localizações são também uma ocorrência tardia nestes tumores, excepto as metástases pulmonares no caso do carcinoma papilar dos jovens.
A cintigrafia da tiroideia revela habitualmente um nódulo não fixante, os testes de função da tiroideia são normais e a ecografia revela tratar-se de um nódulo sólido. A citologia aspirativa com agulha fina é normalmente diagnostica, com a presença de células agrupadas em papilas com anisocariose evidente, pseudo-inclusões, psamoma bodies, e ausência de colóide. A TAC é imprescindível para avaliação da extensão loco-regional do tumor, devendo incluir uma TAC do pescoço e do mediastino superior. Em cerca de 10% dos casos de carcinoma papilar menifesta-se aparecimento de metástases ganglionares, sem tumor tiroideu palpável, sendo o diagnóstico obtido pela citologia do gânglio, ou pela biópsia cirúrgica deste.

CARCINOMA FOLICULAR

Por ordem de frequência, o carcinoma folicular é o segundo tumor da tiroideia, constituindo cerca de 20% destes tumores. Esta percentagem é variável, sendo a sua incidência relativa mais alta nas zonas de bócio endémico. A sua prevalência é maior no sexo feminino com uma relação de 3:1 A idade média de aparecimento, ocorre cerca de uma década depois do carcinoma papilar, isto é entre a quarta e quinta décadas de vida.

Patologia

O carcinoma folicular é um tumor capsulado, com um padrão celular em tudo semelhante ao dos adenomas, sendo impossível um diagnóstico citológico destes tumores. Histologicamente, o carcinoma folicular classifica-se de acordo com a invasão mínima e invasão extensa. Alguns destes tumores apresentam células oxifílicas, sendo denominadas «adenoma» ou «carcinoma de células Hürthle». Sob o ponto de vista biológico, esta característica em nada modifica o seu comportamento em relação ao carcinoma folicular. Ao contrário do carcinoma papilar, a multicentricidade é rara nestes tumores.
O potencial maligno destes tumores excede o do carcinoma papilar, sendo a sobrevida inferior à destes. A metastização ocorre mais precocemente na história natural da doença, sendo as metástases preferencialmente ósseas, pulmonares e hepáticas.

Clínica

Clinicamente estes tumores manifestam-se pela presença de um nódulo tiroideu de evolução mais ou menos prolongada. À palpação estes tumores apresentam uma consistência elástica e só muito tardiamente apresentam sinais de fixação às estruturas vizinhas ou sinais compressivos. Raramente há metástases ganglionares regionais. Na série do Centro de Lisboa do IPOFG, cerca de 50% dos doentes apresentam metástases sistémicas na altura do diagnóstico; dos restantes, 20% vem a manifestar disseminação no decorre do follow-up.
Embora o carcinoma folicular tenha a capacidade de fixar o iodo, não o faz quando em competição com o tecido tiroideu normal pelo que cintigraficamente estes tumores manifestam-se como nódulos frios. Assim como para o carcinoma papilar o estudo da função tiroideia não mostra habitualmente alterações e ecograficamente manifestam-se como nódulos sólidos. A citologia pode fornecer-nos o diagnóstico de tumor folicular, sendo no entanto impossível a distinção entre adenoma e carcinoma, já que esses critérios são histológicos por invasão da cápsula ou dos vasos.

Tratamento dos carcinomas diferenciados:

Tiroidectomia total vs. Parcial
Apesar do volume de conhecimentos obtidos pela investigação durante as últimas décadas, para o conhecimento do comportamento dos tumores diferenciados da tiroideia, persistem enormes controvérsias em relação ao seu tratamento. Destas, três têm mantido aceso o debate; o tratamento local dos tumores diferenciados com tiroidectomia total vs. Parcial (lobectomia total homolateral e subtotal contralateral), o do tratamento das áreas ganglionares, e o do tratamento com I131.
Estas controvérsias resultam de várias razões; a primeira resulta do amplo espectro de comportamento destes tumores. Com efeito, a maioria dos carcinomas diferenciados da tiroideia comportam-se biologicamente de um modo indolente e evoluem de uma forma muito prolongada; no outro extremo desse espectro, alguns tumores têm uma evolução rápida e agressiva com evolução inexorável para a morte. Esta variação de comportamento, dificultando a avaliação de qualquer terapêutica instituída, deverá ser considerada de forma a tornar válido qualquer estudo deste tipo. A segunda razão para esta controvérsia resulta da evolução lenta, necessitando-se de um número elevado de doentes seguidos durante muitas décadas para que algumas conclusões possam ser tiradas relativamente às diferentes opções terapêuticas. A terceira razão resulta do facto de a maioria dos estudos sumarizarem a experiência de centros de referência, com uma população de doentes que não reflecte com exactidão as características epidemiológicas e clínicas reais destes tumores, e onde em regra é priveligiado um dos tipos de tratamento cirúrgico inicial, tornando uma análise crítica muito difícil. A quarta razão resulta da ausência de estudos prospectivos e randomizados, resultando o nosso conhecimento unicamente de estudos retrospectivos.
Apesar de tudo, certos princípios básicos da terapêutica merecem um consenso. Todos concordam, em que o tratamento cirúrgico deverá ser a primeira forma de abordagem terapêutica destes tumores, e que na excisão dos mesmos não deverá ser deixado tecido tumoral macroscópico.
No entanto, não se chegou a um consenso sobre a extensão da tiroidectomia. Os que defendem a tiroidectomia parcial como primeiro gesto cirúrgico, ressecando o lobo homolateral e parte do lobo contralateral, argumentam citando como principal óbice à tiroidectomia total o seu alto índice de morbilidade com taxas elevadas de hipoparatiroidismo e de lesões dos nervos recorrentes. Os defensores da tiroidectomia total contra-argumentam citando as altas taxas de recorrência obtidas com as ressecções parciais, a morbilidade acrescida nas segundas intervenções no caso de recorrência, o acesso fácil ao scanning diagnóstico e à terapêutica com I131, a maior facilidade de monitorização destes doentes com o doseamento da tiroglobulina e a excisão de todos os focos de carcinoma multifocal.
Após uma tiroidectomia total, a taxa de recorrência e de mortalidade é baixa, mas a morbilidade por hipoparatiroidismo ou por lesão do nervo recorrente atinge nalgumas séries os 15%. Contudo, estas complicações são muitas vezes transitórias, sendo os valores definitivos de 1% a 4% valores estes obtidos em estudos efectuados no nosso serviço.
Os defensores da tiroidectomia parcial, justificam esta opção, argumentando que a maioria dos doentes evolui favoravelmente apesar da cirurgia menos agressiva, e que em muitos estudos retrospectivos as sobrevidas são semelhantes na tiroidectomia parcial e na total. Em estudos efectuados, cerca de 80% dos doentes evoluirão favoravelmente, em qualquer que seja a opção terapêutica, e cerca de 5% evoluirão para a morte também qualquer que seja a terapêutica, Restam cerca de 15% dos doentes que poderão beneficiar de uma atitude mais agressiva com tiroidectomia total, gamagrafia corporal pós-operatória, tratamento com I131 e supressão com hormona tiroideia. Pensamos que cerca de 15% dos doentes poderão ter o seu tratamento comprometido por atitudes terapêuticas menos agressivas.
Claro está que se conseguir identificar com rigor este subgrupo , poderão ser poupados muitos doentes a uma maior agressividade terapêutica. Resta saber se no actual estadio dos conhecimentos, esta realidade é passível de ser obtida com rigor suficiente.
Sabemos que certos factores influenciam a sobrevida dos doentes com carcinoma diferenciado da tiroideia. A idade do doente na altura do diagnóstico, o sexo, a diferenciação celular, a extensão e o grau de invasão, as dimensões, a presença de adenopatias regionais, a presença de metastização à distância.
No entanto, o seu valor como indicadores de prognóstico actuando independentemente dos outros ou correlacionados por análises multifactoriais segundo os modelos de Cox ou de Wienbull, continuam a suscitar dúvidas. O exemplo desta amalgama de indicadores com valores prognóstico diferentes de estudo para estudo é-nos dado ao analisarmos as diferentes classificações para estadiamento e prognóstico destes tumores. A classificação TMN publicada em 1987 pela UICC acentua a importância da idade, mas atribui pouca relevância à extensão do tumor nos doentes abaixo dos 45 anos. A idade, nesta classificação, sobrepõe-se de tal forma que todos os tumores, qualquer que seja a sua extensão loco-regional e desde que não tenham metástases à distância em doentes com menos de 45 anos, são classificados como de estadio I. Contratando com isto, o estadio I em doentes com mais de 45 anos reflecte a dimensão do tumor com menos de 1cm, a ausência de extensão extra-tiroideia e a ausência de adenopatias regionais. Esta classificação baseia-se essencialmente no facto de nos jovens os tumores diferenciados da tiroideia apresentaram na altura do diagnóstico uma taxa elevada de adenopatias regionais e de lesões metastáticas à distância, mantendo no entanto um excelente prognóstico. Apesar de estes tumores recidivarem habitualmente nas crianças, a mortalidade devida ao tumor é rara. A partir dos 20 anos, a protecção representada pela idade parece começar a perder-se, com a mortalidade a subir ao longo das décadas.. A partir dos 40 anos a mortalidade já é de tal forma significativa que ignorar este facto parece-nos um erro. Por exemplo, Tschool-Ducommun e Hedinger concluem que o prognóstico se correlaciona mais com a extensão do tumor do que com a idade. Nos últimos anos, várias outras classificações de índices prognósticas foram criadas, todas elas baseadas em estudo multifactoriais, com o intuito de avaliar o grau de agressividade tumoral e, com ele, condicionar o tratamento cirúrgico e médico. Os estudos de Byar através da EORTC encontraram seis variáveis estatisticamente significativas, com importância na previsão da sobrevida: a idade, o sexo, a presença de células indiferenciadas, o estadio do tumor e o número de metástases à distância. Os autores deste índice não entraram em linha de conta com os diversos tipos de tratamento o que por si só deverá ser considerado um vício de forma já que ninguém pode garantir que os resultados não seriam substancialmente diferentes se se tivesse entrado em linha de conta com esta variável. Para além destas críticas, neste estudo entraram também os carcinoma medulares e os carcinomas anaplásticos, alterando substancialmente os resultados. O follow-up foi, em média, de 40 meses, o que também é totalmente insuficiente.
Outro índice prognóstico é o oriundo da Clínica Mayo, para os carcinomas papilíferos, e publicado por Hay; denomina-se “AGES” entrando em linha de conta com a idade, o sexo, a extensão tumoral e o diâmetro do tumor. Os doentes com um score “AGES” de 4 ou mais têm uma mortalidade aos 25 anos de 65% com uma tiroidectomia parcial e de 36% com uma tiroidectomia quase total; em relação aos doentes com um score inferior a 4, a terapêutica mais ou menos agressiva não influiu nas taxas de sobrevida. Claro está que ao introduzir a variante tipo de tratamento neste estudo, todo ele fundamentado numa análise multifactorial para estudo dos factores de prognóstico independentemente do factor tratamento, este método é passível de largas críticas. Para além disso, na Clínica Mayo não se executam tiroidectomias totais, mas sim quase totais, no tratamento dos carcinomas diferenciados, o que desvirtua a controvérsia.
Cady chegou a conclusões idênticas ao criar um índice “AMES”, entrando em linha de conta com a idade, a presença de metástases, a extensão e o diâmetro do tumor. Como variáveis actuando independentemente de uma forma significativa, e seriando os grupos de doentes em baixo e alto risco. Dos doentes da Clínica Lahey, 90% estão englobados no grupo de baixo risco, tendo sido submetidos a uma tiroidectomia parcial; no entanto a mortalidade e a recorrência foram estatisticamente significativas no grupo de baixo risco. Também aqui as críticas ao método de estudo são as mesmas feitas ao estudo da Clínica Mayo.
Mais recentemente, DeGroot criou uma nova estratificação prognóstica de acordo com a extensão da doença, independentemente da idade; classe 1 se o tumor era intra-tiroideu, classe 2 se os doentes tinham adenopatias regionais, classe 3 se havia extensão extra-tiroideia e classe 4 se havia metástases. De importância neste estudo, os autores concluíram que a lobectomia homolateral e subtotal contralateral estava associada a uma diminuição da taxa de recorrência e de mortalidade em todos os tumores maiores do que 1 cm, isto quando comparada com a lobectomia com istmectomia. Algumas das diferenças de resultados da literatura relacionam-se com a forma como os doentes são agrupados. Alguns estudos agrupam carcinomas papilíferos e foliculares indiferentemente, relacionando-os com a sua origem comum folicular. Outros estudam-nos independentemente, reforçando o seu prognóstico distinto. No entanto, quando os grupos são adaptados para as diferentes faixas etárias, as taxas de sobrevida equivalem-se. Outro estudo multifactorial com peso na literatura sobre este tema é o de Mazzaferri, concluindo que a idade e a recorrência são os factores mais importantes no prognóstico da mortalidade. Outra conclusão é a de que após tiroidectomia total a taxa de recorrências locais e sistémicas é menor e, consequentemente, a mortalidade também é menor.
Os estudos do Centro de Lisboa do IPOFG sobre análise unifactorial e multifactorial dos diferentes factores de prognóstico também mostraram ser a idade um dos principais índices actuando independentemente no prognóstico. Também aqui, a influência da terapêutica cirúrgica inicial não foi tomada em linha de conta, já que a maioria dos doentes foi submetida a tiroidectomia total. Desconhecemos se os resultados seriam semelhantes se se tivesse entrado em linha de conta com dois grupos randomizados de tiroidectomia total e parcial, e se esta nova variante se viria a revelar com índice de significância superior aos outros. Da clínica diária no IPOFG, fica-nos a impressão não quantificável do alto índice de recorrências loco-regionais em doentes tratados inicialmente fora do Instituto com tiroidectomia parcial.
Finalmente, quais as conclusões razoáveis e sensatas que se poderão inferir de tudo o que se disse? A idade, a extensão do tumor e presença de metástases são certamente variáveis importantes para o estabelecimento de um índice prognóstico. No entanto, e enquanto não for provado que ao introduzirmos o factor terapêutico este não vem a revelar-se como primordial retirando aos outros o seu aspecto independente para o prognóstico, pensamos que estes índices só poderão ser considerados parcialmente válidos na seriação dos diferentes grupos de doentes compatíveis com tratamento mais ou menos agressivo.
No Centro de Lisboa do IPOFG, no tratamento dos carcinomas diferenciados da tiroideia, é preconizado o seguinte protocolo:
a) Para os carcinomas com menos de 1cm de diâmetro sem gânglios palpáveis, lobectomia total + istmectomia + lobectomia parcial contralateral. Se o tumor é um achado anatomo-clínico, a lobectomia total é suficiente.
b) Para os carcinomas sem factores de risco, lobectomia total homolateral + istmectomia + lobectomia subtotal contralateral
c) Para os carcinomas com factores de risco (idade superior a 45 anos, metástases à distância, diâmetro superior a 4cm, extensão extratiroideia, atingimento dos dois lobos e invasão extensa da cápsula no carcinoma folicular), tiroidectomia total.
Os casos localmente avançados ou recidivas cervicais, podem exigir, para além de uma tiroidectomia total, o sacrifício de estruturas nobres como o recorrente, a laringe, alguns anéis traqueais, ou mesmo o esófago.
Se a cirurgia foi incompleta relativamente ao preconizado, de acordo com os factores prognósticos, pode ser necessário reintervir. Nesse caso, há que ter em conta que a morbilidade das reintervenções é significativamente maior e, como tal, há que ponderar os aspectos prognósticos,a extensão da cirurgia anterior, os valores pós operatórios da tireoglobulina e os resultados da gamagrafia corporal. As reintervenções devem efectuar-se ou nos primeiros oito dias subsequentes à primeira intervenção ou três meses mais tarde, a fim de que a cicatrização pós operatória não prejudique a dissecção cirúrgica.

Tratamento das áreas ganglionares

Os carcinomas foliculares raramente originam metástases ganglionares, à excepção das formas pouco diferenciadas.
Nos carcinomas papilares, a invasão dos gânglios homolaterais é quase uma regra, atingindo os 90%, sendo as cadeias recorrentes e jugulo-carotídeas atingidas na mesma frequência.
Os gânglios das cadeias recorrentes são muitas vezes indetectáveis clinicamente. A invasão destes gânglios leva frequentemente à invasão por contiguidade dos gânglios mediastínicos e à metastização pulmonar, sobretudo em crianças e adolescentes. Neste contexto, é aconselhável um esvaziamento ganglionar da cadeia recorrente homolateral de princípio.
Se há metástases jugulo-carotídea ou do triângulo cervical posterior, impõe-se um esvaziamento ganglionar cervical modificado com conservação do esternocleidomastoideu, da veia jugular e do nervo espinhal.

Outros tratamentos

a) Iodo radioactivo – A destruição de tecido tiroideu restante, pós tiroidectomia, pode ser feita algumas semanas depois desta administração de I131 na dose de 50 mCi a 100 mCi. Este tratamento é simples e sem efeitos secundários graves, mas necessita ser feito em regime de internamento dentro das normas de radioprotecção.
Duas indicações são indiscutíveis; a presença de metástases à distância, e a excisão incompleta do tecido tumoral tiroideu. Nestes casos, para além do seu efeito terapêutico, a administração de altas doses de I131 permite a execução de uma gamagrafia corporal para despiste de eventuais metástases sistémicas não detectadas anteriormente. A administração sistemática de I131 é, no entanto, controversa. Os argumentos a seu favor são de duas ordens: ela permite, com a destruição da tiroideia restante ou de resíduo cervical habitual, a dtecção ulterior das metástases, quer com métodos isotópicos, quer com a determinação da Tg. Alguns autroes suerem que, sendo as recidivas após os 45 anos habitualmente mais agressivas, se deveria ser maximalista nos indivíduos jovens como forma de evitar estas recidivas tardias. Também alguns autores apontam para um intervalo livre de doença mais longo nos indivíduos em que profilaticamente se administrou I131.
Os argumentos contra esta administração sistemática resumem-se aos efeitos secundários do I131; a possibilidade de aparecimento de outras neoplasias induzidas pela dose de radição recebida, nomeadamente no caso das leucemias, e por outro lado o efeito sobre as gónadas, embora não tenham sido descritos casos de efeitos teratogénicos após a administração.
Na prática, a administração de I131 deverá ser feita nos casos operados com factores pejorativos de prognóstico, nomeadamente doentes com mais de 45 anos, tumores extratiroideus e formas pouco diferenciadas de carcinoma papilar ou folicular. Pelo contrário, nos indivíduos jovens, e com tumores intratiroideus, sem invasão extensa da cápsula no caso dos carcinomas foliculares, e com tumores bem diferenciados, a administração sistemática de I131 está contra-indicada.
b) Tratamento supressivo da hormona tiroideia – Baseia-se este tratamento no facto de as células tumorais dos carcinomas diferenciados serem homonodependentes, estando a sua multiplicação dependente dos níveis de TSH. Baixando o TSH a níveis ínfimos <0,1, suprime-se o eventual tecido tumoral presente. Embora alguns estudos contestem a veracidade destes mecanismos, é prática generalizada a supressão pós operatória destes doentes com a administração de T4 (L-tiroxina).
c) Radioterapia externa – Tem uma indicação absoluta sempre que não seja possível remover todo o tecido tumoral macroscópico, por invasão tumoral das estruturas vizinhas. Utiliza-se a dose de 50Gy a 60 Gy. Os efeitos colaterais são a radiodermite, a fibrose dos tecidos moles do pescoço, o linfedema da extremidade cefálica e as radionecroses.

4 Follow-Up

A vigilância dos doentes tratados por carcinoma diferenciado da tiroideia tem dois objectivos: o controlo do tratamento supressivo com administração de T4 e a pesquisa sistemática de eventuais recidivas loco-regionais ou de metástases sistémicas. Esta vigilância deverá ser mantida durante toda a vida, já que pela sua evolução lentas as recidivas podem manifestar-se muitas décadas depois do tratamento inicial.
As metástases dos carcinomas diferenciados são habitualmente também diferenciadas, mantendo a capacidade de produção de Tg e respondendo à estimulação com TSH com um aumento na produção de tiroglobulina. Mantêm também a capacidade de fixar o I131, sobretudo pós estimulação com TSH, e desde que não haja tecido tiroideu normal a competir na fixação. Isto é mais velhos, pois nestes casos o tumor primário e as metástases são habitualmente menos diferenciadas. Nos doentes submetidos a tiroidectomia total, a estimulação para a produção de Tg ou para aumentar a capacidade de fixação das metástases, é feita com TSH endógena, bastando para isso para a T4 durante duas semanas. Nos doentes em supressão, a TSH deverá ser da ordem dos 0,1 e a Tg <1.
Quatro métodos estão disponíveis para a pesquisa de recidivas loco-regionais e de metástase à distância: a vigilância clínica com palpação da área tiroideia e das cadeias ganglionares regionais, a vigilância radiológica com um RX de tórax anual e outros exames radiológicos se justificáveis por uma alteração de alguns parâmetros, a vigilância biológica com determinação da Tg e a vigilância com exames rádio-isótopicos. A presença de anticorpos antitiroglobulínicos interfere com o doseamento da Tg. Esta eventualidade aparece em cerca de 10% dos doentes com carcinoma diferenciado da tiroideia.

5 Prognóstico

O prognóstico dos carcinomas diferenciados é normalmente bom; no entanto, há que considerar vários factores com influência na sobrevida. Assim, o prognóstico do carcinoma papilar é melhor do que o do carcinoma folicular. Nos doentes com menos de 45 anos, o prognóstico é melhor tanto no carcinoma papilar como no folicular. A extensão extratiroideia do tumor, a invasão extensa da cápsula do tumor, a angio-invasão e a invasão linfática, a presença de áreas pouco diferenciadas, e a presença de algumas variantes histológicas do carcinoma bem diferenciado condicionam também, todas elas, um agravamento do prognóstico. Em estudos efectuados no Centro de Lisboa do IPOFG a sobrevida global aos 10 anos foi de 87% e 50% respectivamente para o carcinoma papilar e para o carcinoma folicular. De referir que dos doentes com carcinoma folicular tratados no Centro de Lisboa do IPOFG, cerca de 50% tinham metástases à distância na altura do diagnóstico. Este facto resulta de uma selecção de doentes que recorrem ao IPOFG, sendo portanto um grupo que não representa estatisticamente a incidência de carcinoma da tiroideia na população geral. Num estudo do Rocky Moutain Data System, englobando cerca de 6 000 doentes de vários estados americanos, a sobrevida aos 10 anos para o carcinoma papilar e folicular foi de 92% e 86%, respectivamente.

6 Carcinoma diferenciado induzido por radiações

Entre os factores de risco para carcinoma, nos doentes com um nódulo da tiroideia, o mais importante é, sem dúvida, os antecedentes de irradiação cervical. Durante muito tempo pensou-se que a exposição cervical a baixas doses de radiação, normalmente até 20,0 Gy, resultavam numa alta incidência de tumores da tiroideia. Pensa-se hoje em dia que a exposição a altas doses é também um factor carcinogénico importante, particularmente nos doentes submetidos a irradiação por doença de Hodgkin.
Até 1950, pensava-se que o melhor tratamento para a hiperplasia tímica das crianças era a irradiação com baixas doses, havendo uma remissão completa do quadro, e evitando-se as complicações inerentes, tais como a compressão traqueal com consequente dispneia e, por vezes, a morte. Outras crianças com hiperplasia amigdalina e dos adenóides começaram a ser também irradiadas, como forma de provocar a diminuição de volume destes órgãos linfóides. Alguns adolescentes e jovens adultos eram irradiados, para tratamento da foliculite da face.
Infelizmente, a área tiroideia acabava por receber uma dose maior ou menor de irradiação. A partir de 1950, começou-se a associar o aparecimento de carcinomas diferenciados da tiroideia nestes doentes com o facto de terem sido expostos à irradiação. O tempo que medeia entre a irradiação e o aparecimento do carcinoma da tiroideia era, em média, de 10 anos. Estudos de Retetoff mostraram que cerca de 7% dos indivíduos submetidos a irradiação cervical, entre 180 e 1 500 rads, vinham a ter um carcinoma da tiroideia, podendo este aparecer várias décadas depois.
Clinicamente, o tumor manifesta-se da mesma forma do que para o resto da população, a conduta diagnóstica é semelhante; no entanto, a estratégia terapêutica tem de ter sempre em consideração o risco acrescido para carcinoma. As indicações básicas para o tratamento cirúrgico nestes casos são as seguintes:
A presença de um nódulo único da tiroideia com uma citologia positiva, suspeita ou de tumor folicular;
Crescimento do nódulo, estando o doente em supressão com hormona tiroideia;
Presença de adenopatias ou fixações anómalas na GGT;
A presença de uma área não fixante na tiroideia, na GGT;
A presença de múltiplos nódulos.

A maioria destes carcinomas são papilares puros ou com componente folicular. A multicentricidade acontece em 60% dos casos, 20% tem adenopatias metastáticas, e 17% tem uma invasão das estruturas vizinhas; 85% dos tumores tem mais de 0,5 cm.
Até há pouco tempo pensava-se que a maioria destes tumores eram bem diferenciados, com um comportamento biológico semelhante ao habitualmente verificado nos indivíduos não irradiados. No entanto, os recentes acidentes atómicos verificados na Ucrânia-Kiev vieram demonstrar que, nestes casos, a percentagem de formas menos diferenciadas é significativamente maior, havendo necessidade de um tratamento mais agressivo.
No tratamento destes tumores há a considerar duas situações: se o diagnóstico pré ou intra-operatório for de carcinoma, a nossa opção é a de proceder sempre a uma tiroidectomia total com esvaziamento das cadeias recorrentes; no caso de haver gânglios jugulo-carotídeos ou do triângulo posterior, dever-se-á fazer um esvaziamento ganglionar cervical modificado; se a tiroideia for multinodular, executamos sempre uma tiroidectomia total, independentemente do diagnóstico pré ou intra-operatório; se o nódulo é único, e o diagnóstico intra-operatório confirmar a benignidade do mesmo, fazemos uma lobectomia total homolateral, uma istmectomia e uma lobectomia subtotal contralateral.
O controlo pós-operatório e o seguimento destes doentes são em tudo semelhantes aos dos tumores morfologicamente semelhantes para os indivíduos não irradiados.

CARCINOMA MEDULAR

A carcinoma medular da tiroideia é responsável por 5% a 10% dos tumores malignos desta glândula, podendo ocorrer de uma formas esporádica ou ligada a um factor hereditário autossómico dominante. Bioquimicamente, caracteriza-se pela produção de calcitonina a partir das células tumorais, havendo uma correlação exacta entre as taxas desta e a massa tumoral presente. A calcitonina é um polipéptido formado por uma cadeia de 34 aminoácidos, servindo como um excelente marcador tumoral. O seu papel na fisiologia humana não está esclarecido. Nos animais, a calcitonina diminui a reabsorção osteoclástica óssea. Na raça humana o seu papel na homeostase do metabolismo do cálcio é menor, tendo no entanto um papel importante no tratamento da doença de Paget e da hipercalcémia.
A forma esporádica ocorre com maior incidência entre a quinta e a sexta décadas de vida. Nas formas familiares, a doença manifesta-se mais cedo, sendo difícil avaliar a idade em que o risco de esta se manifestar é maior.

Patologia

A carcinoma medular da tiroideia (CMT) apresenta uma morfogénese distinta dos restantes carcinomas. Desenvolve-se a partir das células C ou parafoliculares da tiroideia, células estas com origem na crista neural e fazendo parte do sistema APUD descrito por Pearse. Durante o desenvolvimento embrionário, as células C migram para a parte mais lateral dos lobos, sendo encontradas em maior número nas zonas postero-laterais superiores e médias da tiroideia. A forma esporádica é unifocal,, mas nas formas familiares há focos multifocais nos dois lobos. Mavcroscopicamente o tumor tem um aspecto de nódulos branco-acinzentados, com uma textura granitada e áreas de hemorragia, necrose, fibrose ou calcificação. Histologicamente caracteriza-se pela presença de células poligonais uniformes ou por células fusiformes, num estroma que pode conter amilóide. Nos casos familiares podem coexistir áreas de hiperplasia das células C, o que não acontece nos casos esporádicos.
A metastização destes tumores faz-se essencialmente por via linfática, havendo metástases ganglionares presentes na maioria dos doentes na altura do diagnóstico. Nos casos familiares esta presença atinge os 90% dos casos.
Para além da calcitonina, o carcinoma medular pode produzir ACTH, Bombesina, somatostatina, 5-hidroxitriptamina, prostaglandinas, antigénio carcino-embrionário (CEA), substância P e o péptido vaso-activo intestina. Os marcadores imuno-histoquímicos para o carcinoma medular incluem a calcitonina, a histaminase, a dopamina decarboxílase, a enolase neuro-específica e a cromogranina.

Clínica

Setenta e cinco por cento dos casos são esporádicos e 25% familiares. Ao contrário dos tumores com origem nas células foliculares, não há uma maior prevalência relacionada com o sexo.
Clinicamente, o carcinoma medular manifesta-se pelo aparecimento de um nódulo da tiroideia, ou de vários nódulos, duros à palpação Em cerca de 25% dos casos,há adenopatias metastáticas clinicamente palpáveis na altura do diagnóstico. Esta percentagem sobe significativamente quando são considerados os achados intra-operatórios. Em cerca de 10% dos casos, o doente refere alterações na voz por invasão do recorrente e paralisia da corda vocal. Pode haver disfagia por compressão ou invasão do esófago. Em cerca de 30% dos casos há episódios de diarreia. Em alguns casos o doente apresenta queixas de episódios de flush, muitas vezes despoletados pela ingestão de álcool. Nos casos familiares podem coexistir outras síndromas endócrinas com neoplasias múltiplas endódrinas (MEN). O MEN 2ª descrito inicialmente por Sipple, em 1961, consiste numa associação de carcinoma medular da tiroideia, com feocromocitoma e hiperparatiroidismo, sendo uma síndroma autossómica dominante com penetração completa e expressividade variável. O carcinoma medular desenvolve-se em todos os descendentes, sendo habitualmente detectada na segunda década de vida; no entanto, pode não haver um nódulo tiroideu palpável antes dos 40 anos. O carcinoma medular no MEN 2B é uma doença mais agressiva, com uma sobrevida aos cinco anos menor do que 35%, podendo manifestar-se antes dos 12 meses de vida. O MEN 2B é caracterizado pela presença de carcinoma medular, feocromocitoma, neuromas da mucosa oral, ganglioneuromas intestinais e hábito marfanóide; pode estar associado a uma neuro-fibromatose de Recklingausen. O carcinoma medular familiar MEN foi descrito recentemente como uma situação auto-sómica dominante não associada a outras endocrinopatias. A doença é mais indolente, manifestando-se entre a quarta e quinta décadas com uma taxa de sobrevida mais alta do que nas outras formas familiares.
A potencialidade que as células tumorais têm para produzir calcitonina tem sido aplicada no screening familiar dos colaterais e descendentes dos doentes com carcinoma medular. Desta forma tem sido possível detectar estas formas pré-clínicas de carcinoma medular, o que constitui um dos exemplos em que a possibilidade de cura dos doentes é uma eventualidade real. Muitas vezes, é possível tratar os doentes na fase que antecede o carcinoma medular, sendo ainda unicamente diagnosticada uma hiperplasia de células C, habitualmente multifocal. A idade em que a resposta ao estímulo com pentagastrina é pela primeira vez obtida com níveis significativos de calcitonina varia entre os 5 e os 35 anos. Por esta razão o screening familiar tem de ser repetido ao longo dos anos com inevitáveis repercussões nos custos económicos e no próprio equilíbrio psíquico do doente.
Recentemente foram observadas mutações no proto-oncogene RET, no cromossoma 10q11.2, responsáveis pela maioria dos casos de MEN 2ª e casos familiares de CMT; não foram observadas estas alterações nos casos de MEN 2B. Esta alteração vem tornar possível no futuro a detecção precoce dos casos familiares portadores desta mutação, ainda em fases não detectáveis pelo doseamento de calcitonina pós-estimulação em pentagastrina.
O carcinoma medular pode ser revelado pela presença de metástases ganglionares sem tumor primário palpável na tiroideia.

Diagnóstico

O diagnóstico de suspeição de um carcinoma medular pode ser-nos dado pela presença de um nódulo da tiroideia, acompanhado ou não de sintomas compressivos, com ou sem adenopatias metastáticas clinicamente palpáveis associado a um quadro de endocrinopatia múltipla e a antecedentes familiares de carcinoma medular. A confirmação diagnóstica pode ser obtida por citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) e ainda pelas taxas séricas de calcitonina. O tumor primário e as eventuais metástases poderão ser visualizados com um scaning co 99mTc-ácido dimercaptossuccinico (DMSA), embora nem todos os carcinomas medulares o fixem. A ecografia revela tratar-se de um nódulo sólido e o TAC pode revelar uma extensão do tumor aos tecidos vizinhos e a presença de metástases ganglionares não palpáveis. Os estudos da função tiroideia são habitualmente normais.
O diagnóstico citológico faz-se pela presença de células fusiformes e substância amilóide e ainda pelos estudos imunocitoquímicos para a calcitonina. A determinação da taxa basal e pós-estimulação com pentagastrina da calcitonina revela valores habitualmente superiores a 300 pg/ml; esta determinação é extremamente importante no screening familiar, e no estudo dos doentes operados por carcinoma medular, já que à subida dos valores da calcitonina corresponde, ainda que precedendo-a, uma recidiva tumoral. Os valores do CEA podem ser aumentados.

Tratamento

O tratamento local do carcinoma medular merece o consenso unânime de todos: tiroidectomia total com conservaçãodas paratiroideias e identificação de ambos os nervos recorrentes. A tiroidectomia total justifica-se pelo facto de a possibilidade de se tratar de uma forma familiar não poder ser negada antes da cirurgia, sendo necessário o exame histológico de toda a glândula para excluir a existência de focos de CMT ou de hiperplasia de células C.
O tratamento das áreas ganglionares não obtém o consenso atrás descrito. No entanto, a opinião maioritária privilegia o seguinte protocolo:
a) Efectuar sempre um esvaziamento ganglionar central, desde o osso hióide até aos vasos braquiocefálicos, tendo como limite lateral o feixe jugulo-carotídeo, com esvaziamento dos gânglios délficos, subístmicos, traqueo-esofágicos e mediastinicos superiores, com exame extemporâneo dos gânglios encontrados. Efectuar também um exame extemporâneo dos gânglios jugulo-carotídeos de cada lado.
b) Efectuar um esvaziamento ganglionar cervical jugulo-carotídeo e espinhal unilateral nos casos esporádicos e bilateral nos casos familiares:
1. Se há gânglios palpáveis;
2. Se o tumor tem diâmetro superior a 2 cm;
3. Se os gânglios do compartimento central são positivos;
4. Se os gânglios jugulo-carotídeos excisados são positivos.

Estas normas deverão ser seguidas mesmo nas formas detectadas por screening, sem tumor palpável (27% têm gânglios positivos; quando o tumor é palpável esta percentagem sobe para 90%).
O esvaziamento mediastínico deverá ser efectuado no mesmo tempo cirúrgico, se os gânglios do mediastino superior estiverem invadidos (Fig. 9).
A presença de feocromocitoma deverá ser sempre excluída antes do tratamento do CMT. No caso de se confirmar a sua presença, a suprarrenalectomia deverá ser efectuada duas semanas antes da cervicotomia para exérese do carcinoma .medular.
Nos casos de MEN 2A há que excluir a presença de hiperparatiroidismo, com doseamento do cálcio e da PTH. Ao contrário do MEN 1, no MEN 2A o tratamento do hiperparatiroidismo limita-se à excisão da paratiroideia aumentada de tamanho. A paratiroidectomia total com autotransplante paratiroideu s6 é necessária nos doentes com MEN 2A que tenham um aumento de tamanho de todas as paratiroideias.

Follow-up

O seguimento dos casos operados de CMT deverá ser essencialmente clínico e laboratorial, recorrendo-se à imagiologia (ECO, TAC, RMN, scanning) caso a clínica ou os estudos laboratoriais o justifiquem.
Clinicamente, deverá ser dada especial atenção à palpação das áreas tiroideia e ganglionares, à palpação hepática e à sintomatologia relacionável com o CMT, tal como a diarreia ou o flush. Anualmente deverá ser efectuado um doseamento da calcitonina, assim como um doseamento do CEA. A pesquisa de feocromocitoma deverá ser efectuada bianualmente. Caso haja uma subida nos valores da calcitonina, o doente deverá ser estudado com métodos imagiológicos, para detecção da recidiva tumoral; deverá ser efectuada uma TAC cervical, torácica e abdominal assim como um scanning corporal com DMSA e uma cintigrafia óssea. A gamagrafia com MIBG pode contribuir também para a localização das lesões. No caso de feocromocitoma, as imagens obtidas com o MIBG podem preceder a própria elevação dos marcadores.

Prognóstico

Sessenta e quatro por cento dos doentes com CMT esporádico, 60% dos MEN 2B, e 26% dos MEN 2A têm um tumor extratiroideu no momento da cirurgia primária, sendo pois classificados como T4; o estadio do tumor primário é um dos principais índices de prognóstico para estes tumores. Outro dos índices é-nos dado pelo doseamento da calcitonina. A sobrevida dos doentes com níveis pré-operatórios superiores a 10 000 pG/ml é menor do que nos doentes com valores mais baixos. Nos casos familiares sem evidência clínica de tumor e com níveis pós-estimulação com pentagastrina <1000 pg./ml a probabilidade de cura atinge os 95%. Este valor cai para 40% se os níveis de calcitonina são superiores a 10000 pg/ml. O tempo de duplicação dos níveis de calcitonina é outro dos índices, havendo uma correlação bastante aproximada do tempo de duplicação com o tempo de duplicação da massa tumoral. A partir deste valor poder-se-á ter a noção da agressividade biológica do tumor. Também os tumores que coram homogeneamente para a calcitonina com a técnica da imunoperoxidase têm um excelente prognóstico. Uma subida dos níveis de CEA é outro dos índices de mau prognóstico.
Nos nossos doentes a sobrevida aos cinco anos foi de 50% para os casos esporádicos. O número limitado de casos familiares detectados clinicamente e não por screening não nos permite estudar a sobrevida; no entanto, na maioria dos estudos efectuados, este valor é da ordem dos 35%, portanto inferior à sobrevida nos casos esporádicos.

CARCINOMA INDIFERENCIADO

O carcinoma indiferenciado ou anaplástico da tiroideia constitui cerca de 10% de todos os tumores desta glândula, ocorrendo normalmente após os 60 anos. São descritos vários tipos histológicos: o carcinoma indiferenciado de células fusiformes com células de aspecto polimorfo, de grandes dimensões, alongadas com grandes alterações nucleares, o carcinoma indiferenciado de células gigantes (raro) e o carcinoma indiferenciado de pequenas células de diagnóstico diferencial difícil com os linfomas. Na morfogénese deste tumor discute-se se ele se origina numa tiroideia sem patologia prévia, ou se pelo contrário representa um desdiferenciação de um tumor diferenciado previamente existente. A presença documentada de tumores diferenciados com áreas indiferenciadas corrobora esta tese; no entanto, estudos recentes com determinação do DNA nuclear, apesar de admitirem esta hipótese como possível, apontam para a raridade da transformação clonal das células bem diferenciadas em fenotipos de maior malignidade. Clinicamente este tumor manifesta-se por um aumento difuso da tiroideia, sem nódulo individualizável, de limites mal definidos, duro à palpação, fixo às estruturas vizinhas, acompanhado muitas vezes de sinais de paralisia do recorrente ou de invasão traqueal com dispneia, compressão ou invasão do esófago com disfagia. O aumento de volume tumoral com crescimento muito rápido sugere o diagnóstico. A presença de uma disseminação metastática é frequente na altura do diagnóstico. A confirmação diagnóstica pode ser feita por citologia ou por biopsia. Convém não esquecer a dificuldade do diagnóstico diferencial do carcinoma indiferenciado de pequenas células com o linfoma, já que a abordagem terapêutica e o prognóstico são totalmente contrários. Nestes casos é aconselhável proceder a uma biopsia incisional do tumor para diagnóstico diferencial entre estas duas entidades.
O tratamento destes tumores é cirúrgico com tiroidectomia total no caso raro de tumores ainda limitados à tiroideia. Se o tumor se estendeu para além da glândula, a nossa posição é a de não intervir cirurgicamente excepto para realizar uma traqueostomia caso o doente manifeste dispneia intensa. A radioterapia externa complementar à tiroidectomia total é de encarar como um reforço dos índices de cura loco-regional. No caso de tumores não operáveis, a radioterapia externa poderá ser uma alternativa, embora os resultados sejam maus. A quimioterapia com adriamicina, vincristina e clorambucil, também tem sido, na maioria dos estudos, desencorajadora. Em grande parte dos casos, a nossa atitude resume-se ao tratamento sintomático destes doentes. A sobrevida destes doentes ao fim do primeiro ano é de 25%. Nos nossos doentes nenhum sobreviveu para além dos dois anos após o diagnóstico (Fig. 10).


LINFOMA

Os linfomas primários da tiroideia são tumores raros, sendo a maioria linfomas não-Hodgkin.
Clinicamente, o linfoma da tiroideia manifesta-se como um aumento rápido e progressivo da tiroideia, não doloroso, e por vezes associado a disfagia, dispneia ou rouquidão. A sua maior prevalência é no sexo feminino depois dos 60 anos. A massa tumoral apresenta-se à palpação de consistência pétrea e na GGT não apresenta fixação do radio-isótopo. Os testes de função tiroideia mostram em 50% dos casos um hipotiroidismo, e 75% tem anticorpos antitiroideus; 40% dos doentes referem um aumento da tiroideia num período inferior a um mês. A citologia nem sempre é diagnóstica, já que em 95% dos casos há simultaneamente focos de tiroidite linfocítica, o que faz com que haja uma percentagem alta de falsos negativos. Por outro lado, o diagnóstico diferencial por citologia com o carcinoma indiferenciado de pequenas células nem sempre é fácil. Nos estudos efectuados, em que se procedeu a uma revisão histológica, muitos destes casos foram reclassificados como sendo linfomas. Nos casos de um aumento rápido de uma massa tumoral na área tiroideia, é sempre preferível proceder a uma biopsia incisional para melhor caracterização morfológica do tumor, e correcta orientação terapêutica.
À terapêutica dos linfomas primários da tiroideia depende essencialmente do seu estadio. No caso de a doença ser um estadio I, localizado na tiroideia e limitado à glândula, a terapêutica de escolha deverá ser a tiroidectomia total seguida de radioterapia externa. Se houver uma metastização ganglionar regional, deverá associar-se à tiroidectomia um esvaziamento ganglionar, também seguido de radioterapia externa. No caso de linfoma da tiroideia com invasão das estruturas vizinhas que contra-indiquem a cirurgia, o tratamento primário deverá ser a radioterapia externa. No caso de linfomas em fase de disseminação, a terapêutica de escolha é a quimioterapia.
CARCINOMA METAST Á TICO

Qualquer tumor maligno pode metastizar secundariamente na tiroideia. Em estudos em autópsias, cerca de 4% dos doentes que morrem por doença maligna apresentam metástases na tiroideia. Os tumores primitivos com maior potencial para metastizarem na tiroideia são o carcinoma brônquico, o hipernefroma e o carcinoma da mama. O tratamento da metástase única na tiroideia é cirúrgico, com tiroidectomia.

CIRURGIA DA TIROIDEIA

Apesar de as primeiras tiroidectomias terem sido executadas por Billroth, é a Theodor Kocher que se deve o avanço extraordinário da cirurgia da tiroideia no fim do século passado. Em 1912 ele tinha executado mais de 5000 tiroidectomias com uma mortalidade de 4,5%. Pela sua contribuição para o mundo neste campo, Kocher foi galardoado em 1909 com o prémio Nobel, e é justamente considerado o pai de toda a cirurgia da tiroideia.
A cirurgia da tiroideia é habitualmente executada por quatro razões principais: pela presença de um tumor maligno, pela dúvida diagnóstica, pela presença de um hipertiroidismo ou pela presença de um bócio com sintomas compressivos.
A cirurgia da tiroideia classifica-se de acordo com a extensão da ressecção, em enucleação se a ressecção se limita ao nódulo, em lobectomia total ou subtotal conforme a ressecção do lobo é total ou parcial, e tiroidectomia total ou subtotal se se resseca total ou parcialmente a tiroideia.
Considera-se hoje em dia como cirurgia mínima no tratamento do nódulo solitário da tiroideia a lobectomia total, não havendo lugar para a enucleação. O nódulo é analisado sob o ponto de vista anatomo-patológico, durante a intervenção (exame extemporâneo); no caso de o nódulo ser confirmadamente benigno, não é necessário estender ao lobo contralateral a ressecção. No caso de o diagnóstico ser de um tumor maligno, a extensão contralateral da ressecção far-se-á de acordo com os protocolos atrás descritos.
Durante a cirurgia da tiroideia, há que ter sempre em consideração o risco de lesão de estruturas anatómicas contíguas à tiroideia, muito em especial o ramo externo do nervo laríngeo superior responsável pela inervação do músculo cricotiroideu, o nervo recorrente laríngeo inferior responsável pela inervação dos músculos intrínsecos da laringe, e que, se lesado, vai provocar uma paralisia da corda vocal homolateral, e as glândulas paratiroideias responsáveis pelo metabolismo do cálcio e fósforo; estas glândulas, em número de quatro, estão localizadas na parte posterior da tiroideia; durante a tiroidectomia total, podem ser excisadas em bloco com a tiroideia, provocando um hipoparatiroidismo.

Técnica cirúrgica

A cirurgia da tiroideia, embora possa ser executada sob anestesia local, é praticada habitualmente com anestesia geral com entubação endotraqueal. O doente é posicionado com um rolo debaixo dos ombros, de forma a, que o pescoço fique em hiper-extensão. O tronco é ligeiramente elevado de forma a diminuir a pressão venosa nas veias do pescoço e assim diminuir a hemorragia. A incisão cutânea é feita em colar cerca de 1 cm a 2 cm acima das clavículas, em geral aproveitando uma prega cutânea existente. A incisão envolve a pele, o tecido celular subcutâneo e o músculo cuticular do pescoço, até à aponevrose cervical superficial (cervicotomia de Kocher). O retalho superior é rebatido para cima até à chanfradura da cartilagem tiroideia, num plano entre o músculo cuticular e a aponevrose cervical superficial. Habitualmente não é necessário descolar o retalho inferior. A aponevrose cervical é incisada na linha média desde a chanfradura tiroideia até ao limite do retalho inferior. A tiroideia é então exposta retraindo para fora os músculos pré-tiroideus, o esternotiroideu e o esterno-hioideu. No caso de bócios grandes, é preferível seccionar estes músculos transversalmente, ao nível da incisão cutânea, sendo puramente académica, na nossa opinião, a discussão sobre se a secção deve ser feita acima ou abaixo da ansa descendente do hipoglosso. Por digitoclasia a tiroideia é libertada da fascia envolvente. O lobo é retraído internamente e as veias tiroideias médias são laqueadas. Em seguida, o pólo superior é ligeiramente tracionado, sendo dissecados os vasos tiroideus superiores. A laqueação destes é feita sobre a cápsula da tiroideia; isto para evitar a lesão do ramo externo do nervo laríngeo superior, responsável pela inervação do músculo cricotiroideu, e que acompanha o pedículo superior até cerca de 0,5 cm do pólo superior. Laqueando-se a artéria e a veia tiroideia superior isoladamente e já sobre a cápsula evita-se a lesão do nervo, assim como se pode conservar a paratiroideia superior nos casos em que é esta a sua localização. Após termos laqueado o pedículo superior, retrai-se novamente a glândula internamente. Inicia-se então a dissecção da parte média e posterior da tiroideia para identificação da artéria tiroideia inferior e do nervo recorrente laríngeo inferior. Após identificação destas estruturas, iniciamos a libertação da tiroideia na sua porção inferior, laqueando os vasos sempre em cima da cápsula e conservando os tecidos justa-capsulares onde poderá estar incluída a glândula paratiroideia inferior. Após termos libertado a porção inferior, iniciamos a laqueação dos ramos da artéria tiroideia inferior, também sobre a cápsula da glândula, conservando os tecidos justa-tiroideus e identificando a paratiroideia superior. Este tempo deve ser executado sempre com identificação do nervo recorrente, desde o cruzamento deste com a artéria tiroideia inferior até à entrada daquele na laringe ao nível do espaço cricotiroideu. Ao nível da junção cricotraqueal e do ligamento de Berry, zona de maior risco de lesão do recorrente, pode ser deixada uma pastilha de tecido tiroideu correspondendo então a ressecção a uma lobectomia subtotal. A parte posterior da glândula é então individualizada da face anterior da traqueia seccionando as aderências fibrosas que as unem, ressecando em bloco com o lobo o istmo da tiroideia. Na presença de um lobo piramidal, este deve ser ressecado durante este tempo cirúrgico. O istmo é então seccionado, sendo a porção restante deste suturada com uma sutura contínua hemostática. No caso de se tratar de um tumor maligno ou de outra situação que obrigue a uma ressecção contralateral, procede-se do mesmo modo do outro lado. Após revisão da hemostase, é colocado um dreno aspirativo. É boa norma nesta fase baixar o tronco do doente para aumentar a pressão venosa nas veias cervicais e assim comprovar a hemostase. No caso dos músculos prétiroideus terem sido seccionados, estes são suturados com pontos separados. A incisão da aponevrose superficial também é suturada. Sutura-se o cuticular do pescoço e em seguida sutura-se a pele com pontos de nylon separados.
No caso de o bócio ter um componente intratorácico mergulhante, é habitualmente possível libertar esta porção através da cervicotomia, introduzindo o dedo no mediastino superior e libertando a tiroideia por dissecção digital. No caso de não ser possível, ou se esta manobra puder eventualmente comportar riscos exagerados por rotura vascular ou lesão da traqueia ou esófago, será preferível executar uma estemotomia mediana a partir da incisão cervical. Afastando o estemo, é possível executar a dissecção da porção intratorácica da tiroideia com toda a segurança.

Complicações

A mortalidade da tiroidectomia é muito baixa, da ordem dos 0,1 %. As complicações pós-operatórias major da cirurgia da tiroideia são a hemorragia, a lesão do nervo recorrente, o hipoparatiroidismo e os episódios agudos de tirotoxicose thyroid storm.
1. Hemorragia - A hemorragia precoce, nas primeiras horas do pós-operatório, é uma das complicações mais frequentes da cirurgia da tiroideia, ocorrendo em cerca de 2% dos casos. Habitualmente a hemorragia tem origem nos ramos da artéria tiroideia inferior ou na tiroideia superior. Neste caso, e sendo a loca de tiroidectomia um espaço fechado onde se localizam estruturas vitais para o doente, há uma acumulação de sangue com compressão da traqueia e sinais de dispneia mais ou menos intensa, conforme o volume da hemorragia. o primeiro sinal de hemorragia é habitualmente o aumento de volume na área tiroideia seguido de dificuldade respiratória; raramente o doente pode entrar em choque hipovolémico.
O tratamento desta complicação consiste em abrir imediatamente a sutura cervical com evacuação dos coágulos acumulados; após esta manobra, e já com o doente estabilizado sob o ponto de vista respiratório, o doente deverá ser encaminhado novamente para a sala de operações, onde a ferida será aberta na totalidade e revista a hemostase. A traqueostomia não é uma atitude habitualmente necessária, excepto nos casos extremos em que a evacuação do hematoma não aliviou o doente da dispneia, ou se há suspeita de lesão bilateral dos nervos recorrentes.
2. Paralisia do nervo recorrente - A paralisia dos nervos recorrentes constitui uma das mais graves complicações da cirurgia da tiroideia. Victor Riddell, cirurgião inglês ligado para sempre a esta patologia, escreveu: «Uma paralisia bilateral dos nervos recorrentes é uma tragédia cirúrgica; é um horror iatrogénico comparável a uma paralisia facial por iatrogenia cirúrgica, e possivelmente mais incapacitante e desagregadora do que a amputação de um membro inferior». A paralisia de um dos recorrentes leva à paralisia da corda vocal homolateral, com graves alterações da função da fonação. A paralisia bilateral com as cordas em posição paramediana tem como consequência, para além das alterações da voz, uma diminuição da fenda glótica com dispneia laríngea com stritor e necessidade de proceder a uma traqueostomia definitiva.
Numa tentativa de reduzir a um mínimo a percentagem de paralisias do recorrente, é mandatório, durante a cirurgia, proceder à identificação sistemática dos nervos recorrentes homolaterais. Os argumentos que nos levam a defender esta manobra são vários; o primeiro argumento, prende-se com a inervação do nervo recorrente; a laringe é um órgão músculo-cartilagíneo que desempenha três funções: a protecção das vias aéreas inferiores de corpos estranhos, especialmente durante a deglutição, a: manutenção de uma via aérea permeável e a fonação. Estas funções são comandadas por quatro grupos musculares: os aductores, os abductores, os tensores e os constrictores. Estes músculos têm todos, uma inervação motora. Perante esta realidade, fácil é de perceber a importância deste nervo, e a necessidade de manter a todo o custo a sua integridade anatómica e funcional. O segundo argumento prende-se com as suas variações anatómicas, obrigando o cirurgião a conhecer e a precaver-se contra todas estas variações; somente a identificação sistemática do nervo pode dar ao cirurgião o conhecimento real destas variações e a capacidade de evitar a lesão acidental do nervo. O terceiro argumento prende-se com a afirmação feita inicialmente por Crile, e invocada hoje em dia por aqueles que defendem a tiroidectomia sem identificação do nervo, e que referem ser o nervo laríngeo inferior ou recorrente um nervo extremamente sensível à dissecção ou ao estiramento, mesmo que moderado. Este facto foi rebatido por Lahey, que demonstrou não ser verdadeira tal afirmação. No Centro de Lisboa do IPOFG, onde a identificação do recorrente é considerada uma rotina da cirurgia da tiroideia, demonstrou-se que a integridade funcional deste nervo não é afectada por manobras cirúrgicas de dissecção ou tracção desde que estas não sejam intempestivas. Em quarto lugar, discordamos também daqueles que dizem ser por vezes difícil identificar o nervo. Habitualmente, identificamos o nervo cerca de meio centímetro abaixo do seu cruzamento com a artéria tiroideia inferior, sendo normalmente palpável nesta zona, bastando-nos abrir a fascia que o protege para o identificar. A partir deste ponto traçamos uma linha imaginária tendo como referência superior o como inferior da cartilagem tiroideia, sendo fácil a partir daqui dissecar o nervo e proceder à lobectomia com toda a segurança.
No serviço de tumores de cabeça e pescoço do Centro de Lisboa do IPOFG, foram operadas cerca de 2700 tiroideias, das quais 800 correspondem a tiroidectomias totais por carcinoma. A técnica cirúrgica implica sempre a identificação e a dissecção do recorrente. A percentagem de lesões acidentais do recorrente é de 2%. Também da literatura mundial tiramos as mesmas conclusões. Num artigo publicado em 1989, com origem na Clínica Universitária de Hamburgo, os autores fazem a análise dos seus 1312 casos operados por patologia da tiroideia e analisam a literatura mundial, comparando os resultados em relação à lesão do recorrente com ou sem identificação do nervo, concluindo da necessidade desta manobra cirúrgica, como forma de diminuir a percentagem de lesões acidentais do nervo. O principal argumento dos que defendem a não identificação sistemática do nervo recorrente é a de que também eles, mesmo atendendo a esta omissão técnica, têm uma percentagem muito baixa de paralisias do recorrente. A maior série, publicada recentemente em 1989, que defende esta tese é a de Sbafer, da Universidade de Bona, com 789 tiroidectomias. No entanto, a percentagem apresentada é de 1,8% nos nódulos benignos, de 10% nas tiroidectomias totais por carcinoma e de 9,5% nas recidivas de bócio, o que constitui uma percentagem excessivamente alta. Quando se discute percentagens de paralisias do recorrente, é importante, também, conhecer os métodos utilizados para diagnóstico dessa paralisia; a rotina no Centro de Lisboa do IPOFG é submeter pré e pós-operatoriamente todos os doentes a uma laringoscopia indirecta para observação da mobilidade de cada hemilaringe. Muitas das paralisias do recorrente passam despercebidas, se nos basearmos unicamente na percepção da qualidade da voz, pois muitas vezes estabelecem-se imediatamente mecanismos compensatórios que ocultam a paralisia unilateral. Sem laringoscopia é muito difícil fazer um diagnóstico diferencial entre a lesão do nervo recorrente e a do laríngeo superior. Mas não basta estarmos certos intra-operatoriamente da integridade do nervo. Nos carcinomas com extensão extracapsular, obrigando a uma dissecção laboriosa dos nervos recorrentes, antes de encerrar a ferida operatória, deverá ser confirmada a função condutora do recorrente com estimulação do tronco com neuroestimulador a 2 miliamperes, palpando o impulso na área cricotiroideia. O mecanismo deste impulso não está bem determinado, já que o músculo cricotiroideu é o único enervado pelo laríngeo superior; no entanto pensa-se ser por contracção secundária à estimulação e contracção dos músculos intrínsecos da laringe.
3. Hipoparatiroidismo - O hipoparatiroidismo pós-operatório resulta da exérese inadvertida das glândulas paratiroideias, durante a tiroidectomia. Pode também ocorrer por desvascularização das paratiroideias, ou ainda por edema local, com compromisso vascular. No caso de terem sido excisadas todas as paratiroideias o hipoparatiroidismo é definitivo. No caso de desvascularização ou compromisso vascular, o hipoparatiroidismo é, em regra, transitório.
A percentagem de hipoparatiroidismos definitivos após tiroidectomia total varia conforme as séries. Numa revisão da Mayo Clinic, dos casos de tiroidectomia total operados até 1970, a taxa foi de 30%; no entanto, a maioria dos que advogam a tiroidectomia total no tratamento do carcinoma da tiroideia, obtém taxas baixas da ordem d6S 2% a 4%. Habitualmente, a queda dos valores do Ca plasmático ocorre às 24 horas, iniciando-se um quadro clínico com parestesias das extremidades, hiper-reflexia com sinais de Chvostek e Trousseau positivos, e por vezes espasmo carpopedal e tetania. Há habitualmente uma alteração do estado psíquico do doente com agitação e ansiedade. O doente refere ainda uma fraqueza muscular generalizada, e por vezes cefaleias. Nos casos extremos pode haver alterações do ritmo cardíaco e por fim paragem cardíaca.
A primeira medida no tratamento do hipoparatiroidismo é a sua prevenção; no intra-operatório o cirurgião tem de ter a sensibilidade e a destreza, para identificar pelo menos uma paratiroideia, conservando-a e tendo o máximo cuidado para preservar a sua irrigação. Todos os tecidos justa-capsulares, possíveis localizações das paratiroideias, devem ser cuidadosamente conservados. No caso de uma das paratiroideias ser inadvertidamente excisada ou desvascularizada, esta deverá ser implantada no músculo estemocleidomastoideu após confirmação anatomo-patológica; após ter sido retirada a peça operatória de tiroidectomia, esta deve ser inspeccionada; caso seja visível alguma das paratiroideias, esta deve ser criopreservada, para que, no caso de o doente entrar em hipoparatiroidismo, possa ser posteriormente autotransplantada.
As taxas de Ca e Ph sérico devem ser determinadas por rotina às 24, 48 e 72 horas. No caso de se estabelecer uma hipocalcémia laboratorial com ou sem sintomatologia clínica, deverá ser administrado por via endovenosa glocunato de cálcio, assim como cálcio per os. Se o cirurgião tem a noção de que pelo menos uma paratiroideia foi conservada, deverá protelar-se a administração de vitamina D. Esta pode vir a ser necessária nos casos em que, com a administração de cálcio, não se consegue" reequilibrar o doente.
4. Tempestade tiroideia (thyroid storm) - A tempestade tiroideia (thyroid storm) representa a exacerbação súbita de um hipertiroidismo, com consequências fatais numa alta percentagem de doentes. Esta situação resulta da entrada em circulação de quantidades grandes de hormona tiroideia, durante a manipulação cirúrgica da glândula no tratamento de um hipertiroidismo. Esta situação, frequente nos primórdios desta cirurgia, tem vindo a diminuir de incidência desde o momento em que os doentes passaram a ser reequilibrados pré-operatoriamente com administração de antitiroideus e de betabloqueantes. Presentemente, a tempestade tiroideia é mais frequentemente precipitada por traumatismos, infecções e acidose diabética.
A tempestade tiroideia manifesta-se pelo súbito aumento do hipertiroidismo, com febre alta, taquicárdia, descompensação cardiovascular e respiratória, insuficiência renal e hepática, alterações do comportamento com agitação, confusão mental, alucinações, estados psicóticos e, por fim, sonolência e coma.
A prevenção desta situação passa obrigatoriamente pelo tratamento médico do hipertiroidismo antes da intervenção cirúrgica. A cirurgia num doente com uma doença de Graves deve ser protelada até ao doente se encontrar em eutiroidismo. No caso de se desencadear uma tempestade tiroideia, esta deve ser tratada com medidas gerais de reanimação, e com a administração de antitiroideus, iodetos, betabloqueantes, e corticóides. A mortalidade desta situação em unidades diferenciadas de reanimação é de cerca de 10%.

PATOLOGIA DA PARATIROIDEIA
Jorge Rosa Santos

As glândulas paratiroideias fazem parte do sistema endócrino, e estão localizadas por detrás da tiroideia, em estreito contacto anatórnico com esta. São habitualmente em número de quatro, medem cerca de 3 mm de diâmetro e pesam aproximadamente 30 mg a 45 mg. Embrionariamente, as paratiroideias têm origem nas terceira e quarta fendas branquiais; as superiores na quarta e as inferiores na terceira.
A hormona paratiroideia (paratormona-PTH), é um polipéptido com um peso molecular de cerca de 10000. A função da paratormona é regular o metabolismo do cálcio. Actua no tecido ósseo estimulando a reabsorção óssea, com saída do cálcio para o espaço extra-celular e aumento do cálcio sérico. O cálcio é o principal elemento estrutural do tecido ósseo, responsável pela sua rigidez. Com Ilíveis normais de PTH há um equilíbrio entre a reabsorção óssea e a deposição de cálcio. Nos casos de aumento de PTH, há um aumento da reabsorção com osteopenia, osteoporose e osteíte fibrosa quística, com possível ocorrência de fracturas patológicas. A paratormona pode também aumentar os níveis séricos do Ca, aumentando a sua reabsorção a nível tubular renal e intestinal. O cálcio é também um elemento fundamental para a contractibilidade muscular e a condução nervosa. Estas duas funções "major" do cálcio na fisiologia animal explicam a sintomatologia habitual da hipocalcémia com parestesias, cãimbras e hiper-reflexia, quando o cálcio desce abaixo dos valores normais, que oscilam entre 8,5 mg% e 10,5 mg%.
"
HIERPARATIROIDISMO
1. Hiperparatiroidismo primário
A doença primária das glândulas paratiroideias é a sua actividade excessiva. Nestas condições, uma ou mais das glândulas aumentam a sua produção de PTH, independentemente dos níveis séricos de cálcio.
A causa mais frequente da produção excessiva de PTH é o aparecimento de um tumor benigno funcionante das paratiroideias - adenoma da paratiroideia. Esta situação de adenoma único da paratiroideia é responsável por cerca de 90% de todos os hiperparatiroidismos primários. Em cerca de.3% de casos pode haver adenomas múltiplos.
Aproximadamente em 8% dos doentes com um "hiperparatiroidismo primário, há um aumento de todas as glândulas paratiroideias – hiperplasia das paratiroideias.
Cerca de 1 % dos hiperparatiroidismos primários são consequência de um carcinoma de uma das glândulas paratiroideias.
Num estudo cooperativo levado a cabo nos EUA, em 6331 doentes com hiperparatiroidismo primário tratados entre 1987 e 1997, estudo este ainda não publicado, o hiperparatiroidismo era devido a:
1 adenoma - 87%
Hiperplasia - 9%
2-3 adenomas – 3%
Carcinoma - 1 %
O hiperparatiroidismo primário associado a síndromas de neoplasia endócrina múltipla (MEN) tipo 1 ou 2 e outras variantes familiares de hiperparatiroidismo foi mais recentemente descrito. Estas formas hereditárias, pela alta probabilidade de recorrência após a terapêutica cirúrgica, constituem um desafio para o cirurgião.
O MEN-l, descrito em 1954 por Wermer, associa o HPT aos tumores endócrinos do pâncreas e aos tumores da hipófise.
O MEN-2, descrito em 1959 por Hazard, associa o HPT ao carcinoma medular da tiroideia e ao feocromocitoma.

Clinicamente, os doentes com hiperparatiroidismo podem apresentar queixas de astenia, dor abdominal, perda de apetite, náuseas, vómitos, obstipação, problemas urinários e alterações do seu estado psíquico. Pode revelar-se por uma história de litíase renal ou por queixas relacionáveis com as alterações ósseas de osteoporose, ou ainda por fracturas patológicas. Outras das complicações graves do hiperparatiroidismo são a pancreatite, a úlcera péptica e as alterações graves do foro psiquiátrico.
Laboratorialmente, há uma taxa sérica do cálcio aumentada com uma taxa do fósforo diminuída. Há um aumento da excreção urinária do cálcio com hipercalciúria. No caso de doença óssea, a fosfatase alcalina está aumentada e a hidroxiprolina urinária também. A PTH está aumentada.
Perante a suspeita clínica de HPT primário, há que proceder previamente ao tratamento cirúrgico, a um estudo para localização das paratiroideias.
Com esta intenção poderemos recorrer a:
1. Ecografia com ou sem citologia aspirativa guiada por ecografia;
2. TAC e RM - Estes dois métodos detectam alterações volumétricas das paratiroideias em cerca de 75%;
3. Gamagrafia das paratiroideias
· Gamagrafia de subtracção com talio/tecnécio
· Gamagrafia com sestamibi marcado com tecnécio 99 - Sensibilidade em cerca de 90% dos casos e especificidade de 98:100%;
· Gamagrafia com anticorpos monoclonais;
4. PET (Tomografia Computorizada de Emissão de Protões) - Utiliza também o sestamibi marcado com Tecnecio 99;
5. Doseamentos selectivos de PTH com cateterismo venoso;
6. Arteriografia digital de subração.

A única forma terapêutica do hiperparatiroidismo primário é a cirurgia com remoção de um ou mais adenomas ou remoção total ou subtotal das quatro glândulas hiperplasiadas. No caso das formas familiares de HPT, a paratiroidectomia deverá ser total com auto transplante de um fragmento de glândula para o antebraço. Este autotransplante pode ocorrer na altura da paratiroidectomia ou em diferido ap6s criopreservação de tecido da paratiroideia. No caso de estarmos perante um carcinoma da paratiroideia, dever-se-á proceder a uma paratiroidectomia total, tiroidectomia total e esvaziamento ganglionar cervical homolateral. Intra-operatoriamente, podemos recorrer a métodos para localizar as paratiroideias, tais como a utilização de corantes vitais (azul de metileno e.v.), ecografia intra-operat6ria, utilização de uma gamacâmara com administração prévia de sestamibi.
Actualmente, tem sido divulgada a técnica da paratiroidectomia por técnica minimamente invasiva. Esta técnica, com indicação exclusiva nas formas esporádicas e no caso de adenoma único de uma paratiroideia, consiste na abordagem cervical por mini-incisão de 2,5 cm com localização prévia e intra-operat6ria da paratiroideia com gamacâmara, tendo sido administrada previamente uma pequena dose de sestamibi marcado com tecnécio 99. Esta intervenção pode ser executada com anestesia local, tendo a vantagem da menor morbilidade cirúrgica e ainda do tempo cirúrgico reduzido.

2. Hiperparatiroidismo secundário
O hiperparatiroidismo secundário ocorre como uma resposta adaptativa à insuficiência renal cr6nica com hipocalcémia secundária à retenção de fosfatos. Numa tentativa de compensar a hipocalcémia, as paratiroideias sofrem um processo de hiperplasia com subida dos níveis séricos de PTH. Mais recentemente, o HPT secundário tem sido correlacionado também com a diminuição da síntese de 1,25(OH)2D3, levando a alterações dos mecanismos de feed-back das paratiroideias, com supressão inadequada da secreção hormonal e da hiperplasia.


Sem comentários:

Enviar um comentário